PENTECOSTALISMO: PARHAM, SEYMOUR E O
AVIVAMENTO-PIETISTA DO SÉCULO VINTE
Segundo o Dr. Gary B. McGee, teólogo
pentecostal das Assembléias de Deus, pelo menos dois reavivamentos do século
XIX podem ser considerados precursores do moderno movimento pentecostal. O
primeiro teria ocorrido na Inglaterra, ao redor de 1830, tendo como caudilho o
ministério de Edward Irving, e o segundo teria ocorrido no sul da Índia, sob a
liderança de J. C. Aroolappen.
O movimento também tem suas raízes na
Doutrina da Perfeição Cristã, de John Wesley. Em seu livro A Short Account of
Christian Perfection, em 1760, Wesley conclama os crentes à buscarem uma
segunda obra de graça, posterior à conversão, que livraria os crentes de sua
natureza moral imperfeita. Essa doutrina chegou na América do Norte, e inspirou
o Movimento de Santidade, cuja ênfase estava voltada à vida santificada. Porém,
quando o pregador Wesleyano radical da Santidade, Benjamin Hardin Irwin
começou, em 1895, a ensinar sobre três obras de graça, a dissidência teológica
começou a surgir. Segundo Irwin, a segunda obra de graça iniciava a
santificação e a terceira trazia o “batismo do amor ardente”, que é o batismo
no Espírito Santo. A maior parte do Movimento de Santidade condenou essa terceira
obra da graça como sendo heresia. Mesmo assim, porém, a noção que Irwin possuía
de uma terceira obra de graça, o revestimento de poder para o serviço cristão,
firmou-se como alicerce do Movimento Pentecostal.
Outros três livros que proporcionaram
as bases sobre a qual foi construído o movimento pentecostal foram Guia para a
Santidade e A Promessa do Pai, da irmã Phoebe Palmer, uma das principais
líderes metodistas, e Tongue of Fire(Língua de Fogo), de William Arthur. Aos
que procuravam receber a segunda obra de graça, era ensinado que cada cristão
precisa esperar pela promessa do batismo no Espírito Santo, fazendo uma
interpretação pessoal de Lc 24.49.
A crença na segunda obra de graça não
ficou confinada ao metodismo. O advogado e pregador cristão Charles G. Finney,
por exemplo, acreditava que o batismo no Espírito Santo provesse revestimento
de poder para se obter a perfeição cristã. Outros pregadores de renome, tais
como Dwight L. Moody e R.A. Torrey, também acreditavam que uma segunda obra de
graça revestiria o cristão com o poder do Espírito.
Dois eventos marcaram definitivamente a
chegada do moderno movimento pentecostal. O primeiro deles é datado de 1º de
Janeiro de 1901, quando Agnes Ozman, aluna da Escola Bíblica Betel de Charles
Fox Parham, em Topeka, no estado americano do Kansas, teve uma experiência
mística e começou a falar em outras línguas. Charles Parham era um pregador do
Movimento de Santidade, que influenciado por Irwin e convencido pelos seus
próprios estudos dos Atos dos Apóstolos, testemunhou um grande reavivamento na
Escola Bíblica Betel. Depois de Agnes Ozman, muitos outros alunos foram
batizados com o “novo” batismo, e falaram em outras línguas (xenolalia).
Aqueles que presenciavam esses acontecimentos, faziam rapidamente um paralelo com
os eventos do livro de Atos dos Apóstolos, e muitos diziam que o movimento era
a restauração da fé apostólica. De fato, quando Bennett Freeman Lawrence
escreveu a primeira história do movimento pentecostal, em 1916, deu ao
movimento o título de The Apostolic Faith Restored (Fé Apostólica Restaurada).
À princípio, os cristãos pentecostais
achavam que as línguas faladas por eles eram, de fato, xenolalia, isto é,
línguas inteligíveis – idiomas pátrios. Depois de 1906, porém, cada vez mais
pentecostais estavam de acordo em que as línguas por eles faladas eram
glossolalia, isto é, línguas desconhecidas e não identificáveis pela
inteligência humana. Parham, porém, continuava crendo que as línguas faladas
pelos pentecostais eram xenolalia e que essas línguas eram expressões
idiomáticas de outras nações. Sendo assim, o fenômeno das línguas auxiliaria
como uma ferramenta nas mãos dos missionários transculturais, que seriam
capacitados sobrenaturalmente para falarem outros idiomas. Essa tese perdeu
força com o decorrer dos anos e hoje é crença quase comum em círculos
pentecostais que as línguas faladas por eles não são idiomas estrangeiros.
A grande contribuição teológica de
Parham ao movimento acha-se na sua insistência de que o falar noutras línguas é
a evidência bíblica vital da terceira obra de graça: o batismo no Espírito
Santo. Suas asserções estão baseadas nos relatos de Atos dos Apóstolos,
capítulos 2, 10 e 19, e desde então o falar em outras línguas tem sido
destacado pelos pentecostais como sendo a evidência física inicial do batismo
no Espírito e a prova cabal do mesmo.
Posteriormente, Parham mudou-se para
Houston, e um de seus alunos, um homem negro chamado William Seymour, após ter
passado pela mesma experiência mística, tornou-se líder de uma igreja na rua
Azuza, em Los Angeles, no ano 1906. Foi então que o movimento pentecostal
explodiu. A partir da rua Azuza, a mensagem pentecostal, que incluía o falar
noutras línguas como sinal do batismo no Espírito Santo, divulgou-se pelos
Estados Unidos e pelo resto do mundo.
Na verdade, experiências semelhantes,
incluindo o falar noutras línguas, já haviam ocorrido em fins do século XIX,
tanto nos Estados Unidos quanto no exterior, em lugares bem distantes entre si,
como na já mencionada Índia e na Finlândia, porém até então esses eram apenas
casos isolados. Foi à partir do início do século vinte que o pentecostalismo
ganhou projeção mundial.
O Dr. Gary B. McGee também menciona as
conferências de Keswick, na Grã-Bretanha como tendo uma grande influência sobre
o Movimento de Santidade na América do Norte, e consequentemente sobre o
pentecostalismo. Os conferencistas de Keswick acreditavam que o batismo no
Espírito Santo produzia uma vida contínua de vitória, uma vida mais profunda,
caracterizada pela plenitude do Espírito. Essa sentença está alicerçada no
conceito wesleyano, que afirmava que o batismo no Espírito produzia a perfeição
cristã.
16.1 – Os principais pressupostos da
doutrina pentecostal.
No início do movimento houve muitos
debates acerca da doutrina, e logo nos primeiros dezesseis anos de existência,
houve quatro grandes controvérsias. A primeira, sobre o valor teológico da
literatura narrativa, em especial o livro de Atos e os últimos versículos de
Marcos, para fundamentar o falar noutras línguas como a evidência inicial do
batismo no Espírito Santo. A segunda controvérsia já foi mencionada, e diz
respeito à natureza das línguas faladas. Um grupo acreditava tratar-se de
expressões idiomáticas inteligíveis (línguas pátrias) enquanto outro acreditava
que as línguas faladas eram expressões de mistério, portanto, ininteligíveis
por meios naturais. Outro debate girava em torno da segunda obra da graça: a
santificação. Seria ela progressiva ou instantânea? Os pentecostais de
tendências wesleyanas asseguravam que a santificação era uma obra instantânea,
enquanto os pentecostais de tendências reformada defendiam a santificação
progressiva. A quarta controvérsia é de ênfase cristológica. Em um sermão
pregado em Arroyo Seco, R.E. McAlister observou que os apóstolos batizavam
apenas em nome de Jesus (At 2.38) ao invés da fórmula trinitariana (Mt 28.19).
Os que deram crédito à pregação de McAlister foram “rebatizados” em nome de
Jesus. Houve então uma cisma no movimento e os que enfatizaram o batismo apenas
no nome de Jesus acabaram por propor uma doutrina modalística da trindade, que
é uma variação do unitarismo. As Assembléias de Deus, no entanto, não
acompanharam as tendências modalísticas.
Vemos, portanto, o quanto resulta
difícil fazer generalizações doutrinárias acerca do movimento. Apesar disso,
destacamos à seguir aquilo que consideramos ser as crenças mais universais dos
pentecostais. A lista não é exaustiva, podendo haver outros itens não
relacionados nessa pesquisa. Todos os cristãos pentecostais crêem:
a)
No Batismo no Espírito Santo como experiência subseqüente e distinta da
salvação.
b)
Na atualidade dos dons espirituais, tais como cura, profecias, línguas e
interpretação de línguas e operação de milagres.
c)
Que o batismo pentecostal reveste o crente com poder do alto
capacitando-o para exercer seu ministério ao mundo.
Além disso, a maioria dos cristãos
pentecostais também crê:
a)
Na vinda de Jesus pré-milenista e pré-tribulacionista.
b)
No falar em línguas como evidência física inicial do batismo no
Espírito.
c)
São dispensacionalistas.
16.2 – Razões que contribuíram para
crescimento do Movimento Pentecostal.
No final do século dezenove e início do
século vinte, a medicina avançava à duras penas e oferecia pouca ajuda aos que
se achavam gravemente enfermos. Consequentemente, a fé no miraculoso para a
cura física começou a ressurgir nos círculos evangélicos. Na Alemanha do século
dezenove, os ministérios que ressaltavam a importância da oração pelos enfermos
atraía a atenção dos crentes estadunidenses, ao mesmo tempo que a teologia
pietista, com sua crença na purificação instantânea do pecado ou no revestimento
do poder do Espírito produziu um ambiente receptivo aos ensinos da cura
mediante a fé.
No Brasil, na época em que Daniel Berg
e Gunnar Vingren aportaram em nosso país, a medicina era ainda mais precária,
havia em nossas terras um grande número de leprosos e muita gente morria apenas
por falta de higiene ou por efeito de uma desinteria. A promessa de uma cura
instantânea veio de encontro com as necessidades básicas do nosso povo, de modo
o movimento teve ampla aceitação. A crença mística do povo brasileiro,
sobretudo no norte do país, também foi um fator decisivo para a recepção das
doutrinas pregadas pelos missionários suecos. Não queremos dizer com isso que o
pentecostalismo somente se instaurou no Brasil por causa da influência dos
cultos afros e do xamanismo. Lembremos que o mundo greco-romano nos dias
apostólicos também tinha suas religiões de mistério, e ainda que isso tenha
contribuído para a aceitação do evangelho, esse não foi o fator decisivo.
16.3 – Objeções à doutrina pentecostal.
Muitos cessacionistas têm se empenhado
para desacreditar o pentecostalismo e a atualidade dos dons espirituais. Porém,
nenhuma exegese por eles apresentada justifica o anti-sobrenaturalismo presente
em sua teologia. Os cessacionistas argumentam que se a inspiração profética é
atual, então teremos duas fontes inspiradas: a Bíblia e a profecia. Os
restauracionistas pentecostais, por outro lado, dizem que as profecias só são
válidas se estiverem em comum acordo com a Bíblia sagrada e terão valor apenas
após o seu cumprimento. Outra questão diz respeito aos milagres. Alguns
cessassionistas dizem que a ocorrência de sinais fantásticos seria mais que
persuasão e violaria incondicionalmente o livre-arbítrio humano. A isso os
pentecostais dizem que Jesus e os discípulos também faziam sinais, e nem por
isso aqueles que se convertiam tinham seu livre-arbítrio violado. Muitos
presenciaram a multiplicação dos pães, mas nem por isso se tornaram crentes.
Muitas foram as contribuições do
pentecostalismo. Em meio ao cenário árido da teologia do início do século
vinte, surgiu um movimento com ênfase na santificação, na leitura e pregação
devocional da Bíblia e com uma visão de ministério às nações. As Assembléias de
Deus, filha desse reavivamento espiritual, tornou-se uma das maiores denominações
do mundo.
É interessante perceber que nesses cem
anos de controvérsias teológicas, enquanto os teólogos alemães e
norteamenricanos patenteavam jargões como geschichte, desmitologização, faziam
estudos sobre o Jesus histórico desassociando-o do Jesus da fé, criavam
teologias com ênfase em teorias naturalistas e evolucionistas, surgiu também um
movimento de restauração da fé apostólica. Talvez minha observação pareça
arrebatada ou até mesmo apaixonada demais, mas o fato é que o pentecostalismo
foi uma das principais reações contrárias ao secularismo teológico que surgiu
no século vinte. Se por um lado os demais movimentos estavam associados ao
desejo de amoldar a fé cristã aos padrões filosóficos e científicos do homem
moderno, o pentecostalismo por sua vez surgiu do desejo de reencontrar a fé
cristã primitiva e de desassociar-se do sistema secular.
Não faltam porém objeções às práticas
do movimento, entre as quais destacamos algumas. Em muitas igrejas evangélicas,
a excessiva ênfase na inspiração sobrenatural da fala, ou dom de profecia, tem
substituído a pregação da palavra de Deus.
É comum em nossos dias ver pregadores
pentecostais trazendo novas e estranhas revelações acerca de anjos, visões e da
conduta cristã, a ponto de ter se tornado praxe de certo pregador televisivo,
invocar serafins antes de fazer sua preleção. Essa prática definitivamente não
é cristã. Jamais vimos Jesus ou os seus apóstolos invocando a presença de anjos
antes de trazer uma mensagem aos fiéis. E os exageros não param por aí: a
Bíblia também, volta e meia desaparece dos púlpitos nos congressos, e quando
reaparece, é permutada. Esse mesmo pregador gosta de dizer a Deus em suas
“fervorosas” orações: “se tenho crédito no céu…”. Crédito no céu? Onde está a
mensagem da graça, do favor de Deus? Outro pregador pentecostal que há anos se
identificava como homem ortodoxo tem se rendido fatalmente à práticas
neo-pentecostais, mercadejando as bênçãos de Deus e enfatizando muito mais o
presente que o porvir. Virou já um ícone do evangelho da prosperidade. De modo
quase geral, a pregação catequética e com embasamento escriturístico tem sido
substituída por empolgados shows evangélicos, promovidos por pregadores que
mais parecem animadores de auditório.
Isso, porém, não significa que não haja
pentecostais sérios e ortodoxos. Há muitos que ainda prezam pela pregação
bíblica e que mantém o perfeito equilíbrio entre a unção, a erudição e o
conhecimento teológico. Conhecemos muitos assim, e enquanto existirem esses,
creio que o movimento contará com certa credibilidade. No entanto, o atual
quadro do pentecostalismo, sobretudo no cenário nacional, faz-nos pensar na
necessidade e porque não dizer, urgência de uma nova reforma religiosa dentro
do próprio movimento: uma nova restauração da fé apostólica.
O pentecostalismo surge no cenário
contemporâneo na contramão da teologia moderna liberal e neo-ortodoxa. Enquanto
Barth, Bultmann, Tillich e Brunner agitavam o cenário teológico mundial com
inovações e com suas tendências filosóficas, obviamente influenciados pelo
existencialismo de Kierkgaard, pelo ceticismo de David Hume e pelos apelos
filosóficos de Immanuel Kant, surgiu no cenário mundial um movimento que
buscava justamente o oposto. Se por um lado Paul Tillich buscava amoldar a
Bíblia às necessidades do homem, William Seymour e os demais pregadores do
movimento pietista pentecostal instavam para que os homens se amoldassem à
Palavra de Deus. Enquanto Barth apresentava Deus como “Totalmente-Outro”, os
pregadores pentecostais insistiam na possibilidade de um relacionamento pessoal
com Deus e definiam-no como aquele que habita os céus e que paradoxalmente,
vive em nós.
Muitos excessos têm sido cometidos
desde então, mas isso não desqualifica o movimento. Na verdade, esses excessos
ocorrem bem na fronteira de dois movimentos contemporâneos com muita força em
nosso país: o pentecostalismo e o neo-pentecostalismo. Apesar da semelhança
semântica, quero ressaltar que a dissimile é maior que qualquer afinidade que
estes dois nomes possam sugerir.
Até aqui a nossa abordagem tem sido
principalmente teórica, passando pelas principais escolas teológicas da era
contemporânea. Temos analisado as doutrinas dessas escolas e em nenhum momento
fugimos da responsabilidade de apresentar o nosso parecer. A análise que
fazemos dessas propostas teológicas encontra seus pressupostos na ortodoxia
bíblica, conforme já foi dito no capítulo primeiro. Apesar da relevância dos
problemas até aqui levantados, a influência dessas escolas teológicas na nossa
teologia e em nossas denominações é pequena, ou quase nula. Muitos dos
programas teológicos até aqui apresentados foram postos em caráter de informação,
e talvez o leitor nunca se depare com os problemas aqui levantados, salvo nas
esferas seculares, onde o liberalismo teológico e o naturalismo têm estado
ativo e presente. Nas comunidades eclesiásticas brasileiras, quase não vemos
influência desses movimentos, a não ser um ou outro incidente recente de
pastores que abraçaram a teologia relacional, apresentada por nós no capítulo
dez sob o título de “teologia do processo”. Porém, à partir desse capítulo,
abordaremos três correntes teológicas cuja presença é marcante no Brasil, e
cujos pressupostos tem de alguma maneira modelado a forma de fazer teologia no
Brasil. A primeira dessas três escolas, de origem netamente Latina, é a
Teologia da Libertação.
15.1 – Contextualizando a teologia da
libertação.
Nas décadas de 60 e 70, o ambiente
teológico da América Latina passou por sérias transformações. O ambiente no
Brasil e na Argentina era de ditadura. Os teólogos que viveram esse período
foram levados a formular uma teologia que fosse menos acadêmica e teórica, e
mais laica e prática, que pudesse sanar os problemas sociais e econômicos de
então. Em meio a uma estrutura social em que um homem velho morre aos vinte e
oito anos, onde quinhentos em cada mil crianças morrem antes de completar um
ano de idade, onde os estudantes que protestam são torturados, e oitenta por
cento da população vive com uma renda de oitenta dólares por ano, a voz
revolucionária começou a clamar em favor das massas. Católicos romanos como
Juan Luís Segundo, Hugo Assman e Gustavo Gutiérrez Merino, animados pela
política mais aberta do Vaticano II; protestantes como Rubem Alves, Emílio
Castro, José Míguez Bonino e o então missionário no Brasil, Richard Shaull, se
empenharam em buscar uma teologia que pudesse resolver os conflitos sociais da América
Ibero Hispana.
As palavras chaves para entender essa
teologia social são “revolução”, “libertação”, “exploração”, “dominação
estrangeira”, “capitalismo” e “proletariado”. Qualquer semelhança com os
conhecidos jargões do comunismo não é mera coincidência. Ele foi a maior fonte
de inspiração e o impulso motor dessa nova tendência teológica.
Sob a palavra “libertação”, não está
subentendida a obra de Cristo por nós, e sim os ideais do marxismo. A palavra,
dentro desse movimento teológico significa:
1.
Libertação política das pessoas e setores socialmente oprimidas.
1.
Libertação social para melhores condições de vida, uma mudança radical
nas estrutura, resultante da criação contínua de uma nova maneira de ser e de
uma revolução permanente.
2.
Libertação pedagógica para uma
consciência crítica através do que o pedagogo brasileiro Paulo Freire chamou de
“conscientização”, sendo o cerne dessa conscientização o despertar da
consciência das massas miseráveis que vivem a cultura do silêncio, para se
interarem da dominação social, política e econômica que lhes é imposta.
3.
15.2 – A teologia da libertação e a
revolução social.
Os teólogos da libertação se declararam
várias vezes favoráveis a luta armada, ao ponto de alguns considerarem Camilo
Torres, sacerdote colombiano que morreu em um tiroteio como membro da guerrilha
de Che Guevara, como o santo patrono da causa. O padre Camilo costumava dizer
que “cada católico que não é revolucionário e não está do lado da revolução
comete pecado mortal”. Na questão da violência, como se pode deduzir dessas
linhas, os teólogos da libertação são bem pragmáticos. Para eles, o problema da
violência e da não-violência é um problema ilusório. Apenas existe a questão do
uso justificado ou injustificado da força, e se o fim é nobre, os meios se
fazem necessário. Essa atitude violenta foi de fato uma proposta aberta aos
religiosos para que tomem lugar nas barricadas e lutem em prol do
desenvolvimento social e econômico da América Latina. No Brasil, Dom Hélder Câmara,
então arcebispo do Recife, promove uma revolução pacífica, por não se contentar
com as reformas triviais.
15.3 – Leonardo Boff, a principal voz
do movimento no Brasil.
Embora Hugo Assman e Dom Hélder Câmara
sejam dos nomes que representam o pensamento da teologia da libertação no
Brasil, atualmente é o Dr. Leonardo Boff que está no centro do debate sobre a
teologia da libertação. Como membro do conselho editorial da Editora Vozes
entre 1970 e 1985, Boff participou da coordenação e publicação da coleção
“Teologia da Libertação”. Em 1984, em razão de suas teses ligadas à teologia da
libertação, apresentadas no livro “Igreja: Carisma e Poder”, foi submetido a um
processo no Vaticano. Em 1985, foi interrogado pelo cardeal Joseph Ratzinger (o
atual papa Bento XVI), então prefeito da Congregação da Doutrina e da Fé, órgão
herdeiro da Inquisição, e condenado a um ano de “silêncio obsequioso”, sendo
também deposto de todas as suas funções editoriais e de magistério no campo
religioso. Dada a pressão mundial sobre o Vaticano, a pena foi suspensa em
1986, podendo retomar algumas de suas atividades.
Em 1992, sendo de novo ameaçado com uma
segunda punição pelas autoridades de Roma, “apostatou” de sua condição de padre
e da própria Igreja Católica para se unir com uma mulher. “Mudou de trincheira
para continuar a mesma luta”: continua como teólogo da libertação, escritor,
professor e conferencista nos mais diferentes auditórios do Brasil e do
exterior, assessor de movimentos sociais de cunho popular libertador, como o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e as Comunidades Eclesiais de Base
(CEB’s), entre outros. Curiosamente a cúpula da CNBB parece continuar com boas
relações com Boff, apesar de sua “apostasia” e de seu marxismo.
15.4- Os pressupostos da Teologia da
Libertação e as objeções à doutrina.
O ponto de partida para a elaboração da
teologia da libertação, segundo o peruano Gutiérrez, “é o esforço do ser humano
para ser parte do processo através do qual o mundo será transformado”, o que
faz da teologia da libertação mais um movimento político que um movimento
netamente teológico. Tal ponto de partida deve ser contextual, com raízes na
dimensão humana e política, e a teologia deve ser elaborada à partir de
elucubrações sócio-políticas. Como movimento político, ela tem sido um brado a
favor da dignidade humana, de uma sociedade mais justa e fraterna. Porém, o que
eles admitem na teoria, foi negado por eles mesmos muitas vezes na prática.
A salvação, dentro da cosmovisão
libertária, se resume em “um processo que abarca o homem e a história”, e o
evangelho, em nossa época, deve ter uma transcrição e aplicação política. O
encontro com Deus é descrito como “o compromisso com o processo histórico da
humanidade”. Essa concepção de salvação talvez corresponda à idéia judaica de
messianismo na época de Cristo, mas pouco tem a ver com o conceito tal como
utilizado por Jesus e por Paulo. A responsabilidade social é um dever do
cristão, mas a salvação não se restringe a essa responsabilidade: salvação
significa perdão e cancelamento dos pecados cometidos contra Deus (Hebreus
9.28, 1João 3.5). Nesse processo de teologia libertária, a missão da igreja
acaba por confundir-se com confrontamento político e adesão e exposição de
idéias sociais, mas a missão do cristão, segundo a Bíblia, é proclamar que o
filho de Deus ressuscitou e tem poder de perdoar pecados.
É preciso ressaltar que as afirmações
de violência não são de nenhum modo característica de todos os teólogos da
libertação. Toda rotulação é pobre, e nesse sentido, há de se admitir a
classificação do movimento da teologia da libertação como um movimento violento
é falha. Ainda assim, não podemos deixar de aludir que, ainda que não
totalmente, a teologia da libertação é fortemente um movimento violento. Como
disse, Rubem Alves, também teólogo libertário, “a violência se converte na
força que move a história no caminho para conduzir à sociedade perfeita”. Em
outras palavras, é justo empregar a violência contra a violência, pois neste
caso, os fins justificam os meios. Ele também afirma que o “amor para os
oprimidos significa cólera contra os opressores”. Como é difícil associar todo
esse discurso com as palavras de Jesus no Sermão da Montanha!
Como o evangelicalismo deve responder a
essa “revolução teológica”? É óbvio que o cristão não deve viver alienado de
qualquer idéia política ou deva se conformar a uma mentalidade status quo. O
problema é que, conforme temos exposto em tese, a tendência da teologia cristã
é polarizar: Ou a experiência, ou a razão; ou a história, ou a fé; e no caso da
Teologia da Libertação, ou o marxismo, ou não somos cristãos. Não é preciso
polarizar para ter responsabilidade social, nem é preciso forçar a exegese ou
fazer eisegese para defender pressupostos sociais.
Devido à repressão ao movimento, hoje
não há muitos grupos ou indivíduos que mantém a Teologia da Libertação.
Atualmente o movimento se reduz a algumas “comunidades de base”, que tentam
colocar em prática as idéias sociais da mesma, mas a influência nas faculdades
ainda é grande.
A teologia da libertação está
fundamentada em uma postura na qual a presente práxis histórica se transforma
em norma canônica para descobrir a vontade de Deus. Ao refletir algo parecido
com a ética situacional, a teologia da libertação não pode escapar das mesmas
acusações levantadas contra ela: moralidade relativista e pragmática. Ela foge
totalmente a ortodoxia reformada, e não há nenhuma possibilidade de um crente
evangélico sustentá-la sem cair em contradição, isso porque a “Sola Scriptura”
não admite nenhum “somado a”, ou “junto com”.
TEOLOGIA DO SER: PAUL TILLICH E A
FRONTEIRA ENTRE O LIBERALISMO RACIONALISTA E A TEOLOGIA EXISTENCIALISTA
Há pelo menos três grandes vultos
teológicos do século vinte. Já apresentamos dois deles, à saber: Barth e
Bultmann. Queremos agora apresentar o terceiro deles, Paul Tillich.
Tendo fugido da tirania de Hitler em
1933, Paul Tillich se tornou professor do Union Theological Seminary, em Nova
Iorque. Embora fosse um homem de grande erudição, sua intelectualidade não o
privou de prestar importantes serviços sociais e religiosos. Exerceu capelania
durante os quatro anos da Primeira Guerra Mundial e participou do Movimento
Socialista Religioso na Alemanha. Sua experiência como capelão no período da
guerra fez com que ele tivesse uma vívida impressão dos problemas sociais. Há
quem pense que seu existencialismo teológico tenha surgido nesse período e
especificamente por causa dos horrores da guerra, mas tal comentário será
sempre especulação. Ao chegar nos Estados Unidos, dedicou seu tempo para ajudar
os refugiados da Europa.
Tillich é mesmo uma figura controversa.
Na Europa ele é considerado um liberal e ferrenho opositor de Barth e Brunner.
Na América do Norte, no entanto, ele é considerado como pertencendo a escola
neo-ortodoxa e em alguns círculos teológicos, ele é mencionado em conjunto com
Barth e Brunner. Porém, apesar das semelhanças, Tillich desenvolveu um sistema
teológico que resiste a qualquer rótulo, e talvez, por essa razão, não formou especificamente
uma escola teológica específica. O fato é que Tillich se valeu das elucubrações
de ambas as partes, neo-ortodoxa e liberal, coletando “supostamente” o que
havia de melhor nessas duas escolas. O teólogo Willian H. Hordern define a
teologia de Paul Tillich como sendo “a fronteira entre o liberalismo e a
neo-ortodoxia”, e é isso mesmo que ela é. Ele se situa exatamente no centro,
entre a crítica destrutiva da desmitologização e o existencialismo
neo-ortodoxo.
Apesar de não ter formado uma escola específica,
é provável que somente Rudolf Bultmann tenha exercido uma influencia igual no
cenário teológico mundial. Sua profunda erudição e seus conhecimentos de
história, filosofia, psicologia, arte e análise política, além de sua
especialidade, a teologia, lhe renderam o título de “teólogo dos teólogos”,
apelido pelo qual é conhecido hoje nos círculos acadêmicos.
14.1 – Pressupostos da teologia de Paul
Tillich.
Parte da popularidade de Tillich nos
círculos acadêmicos deve-se a sua profunda preocupação em encontra alguma forma
de relacionar a mensagem da Bíblia com as necessidades do século vinte. Falando
do “princípio de correlação”, ele argumenta que deve haver uma correlação entre
os problemas do homem e a fé cristã. Se por um lado a filosofia naturalista não
pode responder os questionamentos do homem, por outro lado, segundo ele, o
“sobrenaturalismo do cristianismo histórico” é muito transcendente para que o
homem possa encontrar nele a resposta. A mensagem do cristianismo surge como
“um conjunto de verdades sagradas que apareceram em meio à situação humana como
corpos estranhos procedentes de um mundo estranho”. Como encontrar a verdade? E
de que modo podemos construir uma teologia?
Para Tillich, começamos definindo a
religião. A religião não é apenas uma questão de ter determinada crença ou
praticar certas ações. Para Tillich, o homem é religioso quando está
“essencialmente preocupado”. A preocupação essencial é aquela que tem
prioridade sobre todas as preocupações da vida. Essa preocupação, segundo ele,
tem o poder de elevar o homem sobre si mesmo. Ela se resume na entrega total de
nosso ser. Essa preocupação essencial é o que determina nosso ser ou o não-ser.
Nós nos preocupamos essencialmente quando ponderamos sobre aquilo que tem o
poder de destruir ou de salvar-nos. Nossa preocupação é essencial quando
ponderamos sobre aquilo que é a soma da nossa realidade e a estrutura e
objetivo da nossa existência. O essencial é o próprio Ser, ou aquilo que
tradicionalmente chamamos de Deus.
Este Ser (com maiúscula),
paradoxalmente não é nem uma coisa nem um ser. Ele esta além do ser ou das
coisas. Deus não é apenas o Ser, mas também o poder de Ser por si mesmo, e isso
foge a nossa compreensão. Não podemos compará-lo a nada a fim de defini-lo,
pois mesmo que o considerássemos como o ser mais elevado, o estaríamos
reduzindo a um objeto e uma criatura. Por isso, para Tillich, afirmar a
existência de Deus é tão ateu quanto negá-la, isso porque o Ser transcende à
existência. Ele é a resposta simbólica do homem para a sua busca de bravura
para superar as situações que o limitam, tais como o ser e o não-ser que tanto
o angustiam.
Quanto ao pecado, Tillich o define em
função do ser e da alienação do Ser. A responsabilidade pelas tensões da vida
moderna não está relacionada a um conceito clássico de pecado, o que seria uma
explicação superficial e simplória. O pecado é a alienação do fundamento do
nosso ser.
Em sua cristologia, ele define Jesus
como o símbolo no qual se supera a alienação, em que se rompe a distância.
Cristo é o símbolo do “Novo Ser”, no qual se dissolve toda alienação que tenta
diluir a unidade do homem com Deus. A palavra “símbolo” é resultado do repúdio
de Tillich por qualquer interpretação ortodoxa acerca da pessoa e da obra de
Cristo. Segundo ele, a afirmação “Deus se fez homem” é uma afirmação não apenas
paradoxal, mas também sem sentido. O relato da crucificação é mencionado como
lendário e contraditório. A ressurreição, segundo ele, significa simplesmente
que Jesus foi restituído à sua dignidade na mente dos discípulos.
As descrições da salvação em seus
aspectos, tais como justificação, regeneração e santificação também estão
sujeitas à reinterpretações. A regeneração é descrita por ele como “ser
incorporado na Nova Realidade manifesta em Jesus”, como portador do “Novo Ser”.
A justificação também não é um ato soberano de um Deus pessoal, e sim uma
palavra simbólica que indica que o homem é aceito apesar de si mesmo. A
santificação é o processo através do qual o Novo Ser transforma a personalidade
e a comunidade fora da igreja.
14.2 – Objeções à teologia de Paul
Tillich.
Quando nos deparamos pela primeira vez
com a obra de Paul Tillich, temos a impressão de estar diante de um incrível
tratado teológico produzido por uma mente enciclopédica, precisa, sutil e
tremendamente criativa. No entanto, sua teologia não é especificamente cristã,
e sim uma “tradução” da linguagem teológica em termos teosóficos e
ontológicos. As vezes essa tradução
nos ajuda a ver as coisas sob uma luz mais clara e profunda, porém na maioria
das vezes, sua tradução faz violência tanto ao Espírito quanto à letra que ele
traduz.
Há várias objeções que se pode fazer à
teologia de Tillich, entre elas a sua rejeição da Bíblia como palavra de Deus.
Seguindo os moldes neo-ortodoxos e liberais, ele argumenta que a Bíblia,
interpretada da maneira tradicional, não é aplicável aos problemas da nossa
época. Por esta causa, Tillich utiliza a filosofia para analisar os problemas
mais profundos da existência do homem contemporâneo. No entanto, a maior falta
dele não foi substituir a teologia pela filosofia. Como escreveu o crítico
Kenneth Hamilton, “sua maior falha foi substituir a Palavra de Deus pela
palavra do homem”.
O “princípio da correlação” de Tillich
afirma que a filosofia pode dar-nos uma analise adequada da situação humana. A
Bíblia, nesse caso, pode até aparecer, mas estará sempre em plano secundário.
Sua doutrina definitivamente não é
doutrina bíblica. Não entendemos o porquê Paul Tillich insiste em empregar a
palavra Deus com sentido cristão. Sua idéia de Deus não é trinitária e nem
pessoal. Deus é um poder racional que penetra a profundidade do ser, mas não é
uma pessoa que se comunica ou com quem possamos ter comunhão. O conceito de
“Ser” que Tillich apresenta se assemelha muito mais a um aspecto desse mundo do
que existe por si só e independe de sua criação. No sistema dele, não há mais
distinção entre Criador e criatura. Também não conseguimos entender que tipo de
Deus pode estar além da transcendência, e que não é nem sobrenatural nem
natural.
Sua cristologia também é uma fraude.
Tillich reduz Jesus a um mero símbolo, o que faz dele um absoluto nada. Essa
teologia diluída poderia ser bastante aceitável para um budista ou um hindu.
Religiosos de ambos os grupos certamente abraçariam com alegria seus
pressupostos, exceto pela sua afirmação de que só ele foi e é o Cristo. A
soteriologia de Tillich não tem significado concreto, exceto como um símbolo a
mais para descrever uma situação existencial que não tem relação com o Deus
Vivo.
Vemos em Paul Tillich um sério
compromisso com a filosofia existencialista, ao mesmo tempo em que podemos
perceber seu particular descaso para com a Palavra de Deus. Ao negar a
historicidade dos fatos narrados no Novo Testamento, a ocorrência literal dos
milagres e o maior milagre do cristianismo: a ressurreição, Tillich remove o
fundamento e a esperança da fé cristã. Imagino o que diria o apóstolo Paulo a
um pregador como Paul Tillich: “E, se não há ressurreição de mortos, então,
Cristo não ressuscitou. E, se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e
vã, a vossa fé; e somos tidos por falsas testemunhas de Deus, porque temos
asseverado contra Deus que ele ressuscitou a Cristo, ao qual ele não
ressuscitou, se é certo que os mortos não ressuscitam. Porque, se os mortos não
ressuscitam, também Cristo não ressuscitou. E, se Cristo não ressuscitou, é vã
a vossa fé, e ainda permaneceis nos vossos pecados. E ainda mais: os que
dormiram em Cristo pereceram. Se a nossa esperança em Cristo se limita apenas a
esta vida, somos os mais infelizes de todos os homens”(1Coríntios 15.13-19).
Não sei ao certo como Paulo argumentaria com Tillich, mas creio que seria algo
assim.
Se por um lado Tillich é considerado
excelente erudito (e eu diria até um bom filósofo), sua interpretação meramente
existencial do cristianismo faz dele um teólogo ruim, da perspectiva ortodoxa.
Assim como Bultmann, ele lança tantas dúvidas acerca dos milagres e da
ressurreição que de nenhuma maneira, segundo os princípios paulinos, sua
teologia pode ser chamada cristã.
TEOLOGIA DO PROCESSO: DR. CHARLES
HARTSHORNE E A TEOLOGIA DO DEUS FINITO
De origem norte-americana, essa nova
escola teológica tem como seu maior expositor o professor Dr. Charles
Hartshorne, da Universidade de Chicago. A teologia do processo como escola
teológica é uma tentativa de restabelecer a doutrina de Deus em um mundo
extremamente cético. Assim como as outras teologias radicais surgidas no século
vinte, a teologia do processo também toma por empréstimo alguns pressupostos de
uma vertente filosófica contemporânea, a saber, a filosofia do processo,
elaborada pelo famoso matemático e filósofo, Alfred North Whitehead
(1861-1947), que por sua vez, elaborou sua filosofia em torno de algumas idéias
de Charles Darwin.
13.1- Pressuposições da Teologia do
Processo.
Os filósofos antigos desenvolveram seus
sistemas em torno da idéia de que o mundo era algo fixo, em que o ser incluía o
porvir. Whitehead desenvolveu seu sistema ao redor da idéia de que o mundo é
dinâmico, estando sempre em constante processo de transformação. Segundo ele,
até Deus está sujeito ao porvir (um conceito semelhante ao do teísmo aberto e
da teologia da esperança). A religião, para ele, “é a visão de algo que está
além, atrás e dentro do fluxo passageiro das coisas imediatas; algo que é real
e ao mesmo tempo espera por realizar-se, algo que é uma possibilidade remota e
mesmo assim é o maior de todos os atos presentes, possuí-la é o bem último, e
mesmo assim, está além do nosso alcance”. O legado kantiano, como se pode
observar, está bem latente na filosofia de Whitehead.
Harthshorne desenvolveu ainda mais a
filosofia de Whitehead e aplicou suas conclusões no cenário teológico. Associado com teólogos radicais de língua
inglesa como Norman Pittenger, Daniel Day Willlians, Schubert Ogden e John Coob
Jr., o grupo está convencido que para responder à “Teologia da Morte de Deus”,
devemos demonstrar a realidade objetiva de Deus através de uma metafísica
racional. Nesse sentido, Whitehead lhes serve como ponto de partida. As idéias
de Chardin também são muito parecidas com a dos teólogos do processo, isso
porque tanto ele quanto Whitehead assimilam idéias evolucionistas.
13.2- Objeções à teologia do processo.
Deus, segundo a teologia do processo,
“não é um ser, e sim uma força dinâmica por detrás da evolução, emergindo
sempre em tudo, tanto na história como na natureza”. Com isso, a teologia do
processo descaracteriza Deus, reduzindo-o a um mero conceito panteísta. Assim
como na filosofia kantiana, na teologia do processo também há um grande apelo à
autonomia e a liberdade humana. Os teólogos do processo também comprometem a
soberania de Deus. Deus, segundo Whitehead, é “co-criador” do universo. A
criação de Deus é um processo contínuo, uma coexistência de ordem e liberdade
na qual o homem participa para criar o futuro. Essa tendência teológica torna
injustificável a escatologia, pois uma vez que não há um Deus soberano e
onisciente, não há certeza alguma quanto aos eventos futuros. Desse modo, o
livro de apocalipse e as profecias bíblicas perdem todo o sentido.
Assim como na teologia de Paul Tillich,
a teologia do processo tende à dissipar a idéia de Deus como ser pessoal,
reduzindo Deus à uma força que existe como o aspecto principal de todas as
coisas, o que reduz o cristianismo bíblico a uma mera versão panteísta de
religião. Nas palavras de Hartshorne, o teólogo do movimento, “Deus
literalmente contém o universo”.
Ainda que muitos teólogos do processo
se neguem a admitir que descrevem Deus em termos panteístas, em sua teologia o
mundo se torna necessário para que Deus exista. Além disso, o mundo também
condiciona as atividades de Deus. Dessa forma, o Deus pessoal da Bíblia que se
auto-revela, fala e atua por conta própria, e manifesta seus designos de forma
inteligente, dentro da teologia do processo é “uma seqüência de experiências
pessoalmente ordenada”, um conceito mental tomado à partir de analogias da
experiência humana.
Mesmo que a teologia do processo tenta
dar um “toque bíblico” em sua teologia, esse biblicismo é apenas aparente. Como
disse Carl Henry: “apesar de todo esforço, [na teologia do processo] a criação
se transforma em evolução, a redenção se transforma em relação e a ressurreição
se transforma em renovação. Há um abandono do sobrenatural, os milagres
desaparecem, e o Deus vivo da Bíblia fica submerso em termos imanentes”. Como
podemos ver, também na teologia do processo há uma tendência em reinterpretar
os milagres da Bíblia em termos existenciais.
Sua cristologia também é bastante
confusa. Cristo aparece mais como um “símbolo” da atividade divina na terra do
que como uma intervenção divina no curso desse mundo. Ele é um homem em quem
Deus atuou, mas suas conclusões o dissociam do Deus encarnado.
A doutrina da ressurreição, segundo os
teólogos do processo, também é insustentável porque tal ato seria uma coerção
divina, uma intervenção direta no livre-arbítrio humano. Um evento tal como
esse acabaria por forçar nossa vontade. Como se pode perceber, a teologia do
processo está muito mais fundamentada em hipóteses filosóficas do que naquilo
que a Bíblia realmente diz.
Ao negar o conhecimento que Deus possa
ter de fatos ainda não ocorridos, a teologia do processo põe em risco a
credibilidade das Escrituras, pois se Deus não tem nenhum conhecimento dos
fatos ainda não ocorridos, como pode fazer predições sobre o futuro? A
conseqüência lógica do seu sistema é que não pode haver predição ‘cem por
cento’ segura na Bíblia, pois parece altamente improvável que um ser que não
tenha presciência plena dos contingentes futuros saiba o que acontecerá. A
Bíblia na afirma categoricamente: “Deus não é homem para que minta”, mas se
Deus é ignorante em relação a grandes períodos da história futura, de que
maneira qualquer uma das profecias preditivas das Escrituras poderia ser
qualquer coisa além de probabilidades?
A teologia do processo aniquila a fé
que o crente tem em Deus, e não somente isso mas também retira o próprio Deus
Soberano do cenário e introduz em seu lugar uma divindade caricata, impotente,
penteísta e consequentemente, finita.
TEOLOGIA DA EVOLUÇÃO: TEILHARD DE
CHARDIN E O DARWINISMO TEOLÓGICO
Um dos acontecimentos religiosos que
mais despertaram o interesse dos teólogos no fim da década de cinqüenta foi a
popularidade póstuma do cientista e místico jesuíta Pedro Teilhard de Chardin
(1881-1955), fundador de um sistema teológico que ficou conhecido como teologia
da evolução. Durante sua vida, este teólogo foi impedido de publicar seus
livros, considerados pela igreja católica como sendo nocivos e de conteúdo
herético. Porém, quinze anos depois da sua morte, esses livros suprimidos
durante toda a sua vida começaram a aparecer.
Embora ele tenha sido um teólogo
católico, alguns dos seus comentaristas mais apaixonados são cientistas e
teólogos protestantes. Sua influência pode ser percebida até mesmo nos países
que compõem o nosso terceiro mundo. Francisco Bravo, estudioso equatoriano,
publicou uma obra meticulosa sobre Teilhard. Suas idéias lograram arrancar
elogios até mesmo de Dom Hélder Câmara, arcebispo do Recife.
Muitos fatores ajudam a explicar a
repentina popularidade que alcançou a teologia de Teilhard. Sua destacada
personalidade e seu caráter humanitário podem ser percebidos por qualquer
pessoa que o tenha conhecido ou lido algo acerca da vida deste destacado
sacerdote católico, que apesar das restrições que o Vaticano impôs aos seus
livros, permaneceu fiel a sua ordem durante toda vida. Seus conhecimentos de
geólogo e paleontólogo são grandes atrativos para o mundo científico.
12.1- Conhecendo a proposta teológica
de Teilhard de Chardin.
O ponto de partida do pensamento
teológico de Telhard é a evolução, a qual ele chama de “luz que ilumina todos
os fatos, curva a que devem seguir todas as linhas”. A terra, segundo ele, foi
formada ente cinco e dez milhões de anos e desde então vem se desenvolvendo
através da evolução. Este processo evolutivo avança segundo o que Teilhad chama
de “lei da consciência e da complexidade”, com o que ele alude que na evolução
existe uma tendência por parte da matéria, que a faz tornar-se cada vez mais
complexa. O processo, segundo ele, pode ser resumido como consta no seguinte
esquema: Partículas elementares (chamadas de Ponto Alfa) => Átomos =>
Moléculas => Células Vivas => Organismos Pluricelulares. Ele admite que a
terra veio a existir por meio de um lento processo, que pode ser descrito na
seguinte ordem: Barisfera (época da “terra derretida”) => Formação da crosta
=> Formação da água e do ar => Formação da atmosfera. Esta é a fase da
história evolutiva da terra aparece a vida biológica na terra, ou biosfera. Para
descrever a etapa seguinte, em 1920, Chardin criou o termo noosfera, que
significa a “camada mental” da terra. Essa noosfera nada mais é do que o
surgimento do homem pensante sobre a terra. Esta é a etapa mais importante na
história do mundo, e também é chamada de hominização. Nesta fase, o processo
evolutivo adquire consciência de si mesmo.
Nessa etapa de sua teoria evolutiva,
Teilhard começa a se apoiar na teologia para predizer o futuro da evolução. Ele
vê todo o processo evolutivo que começa com as partículas, o ponto Alfa; e
converge no que ele chama de PontoÔmega, ou seja, a união sobrenatural de todas
as coisas em Deus. Assim sendo, Deus vem a ser a causa final, mais que a causa
eficiente do universo, dando a perfeição a todas as coisas. Nesta etapa, Deus
será tudo em todos (1Coríntios 15.28), numa forma superior de panteísmo, a
expectativa da unidade perfeita, na qual cada um dos elementos alcançará sua
consumação, ao mesmo tempo que o universo.
Na teologia darwiniana de Teilhard,
Cristo é o centro do processo evolutivo e o seu princípio básico. O Cristo de
Teilhard é o reflexo no coração do processo do ponto Ômega, e se encontra no
final do processo. Por meio de um ato pessoal de comunhão, Cristo incorpora em
si o “psiquismo” total da terra, e o universo se auto-realiza em Cristo. Esse
movimento para o centro, para Teilhard, é o processo de amor. O amor, segundo
ele, não é exclusividade humana, e sim propriedade geral de toda a vida, sendo
ele a afinidade do “ser” com o “ser”. Movidos pelas forças do amor, os
fragmentos do mundo se buscam para que o mundo possa chegar a “ser”.
12.2- Principais objeções a teologia
evolucionista de Chardin.
Os princípios de Teilhard de Chardin
apresentam várias dificuldades para o crente ortodoxo. Sua linguagem é obliqua
e seu esforço hercúleo para fazer de Cristo o centro da evolução é desonesto e
contraditório. Sua teologia é o reflexo do pensamento naturalista do seu tempo.
Sua ênfase na personalidade autônoma que, desde Kant aparece e reaparece na
teologia contemporânea, é também contrária a Bíblia.
Dessa síntese filosófico/naturalista
procedem as demais divergências de Teilhard com a teologia ortodoxa. Assim como
as teorias evolutivas seculares, a teologia evolucionista deste teólogo
descaracteriza a criação, tal como aparece na Bíblia. Há muitos teólogos
contemporâneos que concordam com a teoria da antiguidade da terra, e com a
evolução das espécies à partir das espécies criadas por Deus (Gênesis 1.21-25),
fazendo diferenciação entre microevolução e macroevolução. Microevolução é a
mutação que ocorre dentro das espécies e seria o fator responsável pelas
diferentes raças de cães, diferentes tons de pele, etc., mas nenhuma dessas
concessões desabilita o esquema de criação conforme narrado em Gênesis. Ao
contrário disso, a teoria de Teilhard é macroevolucionista e negligencia
completamente o ponto mais básico da criação que é Deus fazendo todas as coisas
do nada pela sua palavra, e criando cada ser em conformidade com a sua espécie.
Assim como todas as teorias evolucionistas seculares, a teologia de Teilhard
Chardin parte do pressuposto de que o homem alcança sua verdadeira dignidade e
plenitude espiritual por meio do processo evolutivo. Isso também é contrário a
doutrina da graça, segundo a qual o aperfeiçoamento advém da comunhão com
Cristo Jesus.
Como todas as teorias evolucionistas, a
teologia da evolução de Teilhard é demasiado otimista. Ele divaga pela senda do
universalismo e do panteísmo, prometendo um final feliz para todos, sem fazer
nenhuma alusão à graça de Deus. Talvez essa seja uma das razões da sua difusão
rápida. O homem moderno está disposto a aceitar qualquer tipo de droga
entorpecente que se apresente sob o pseudônimo de ciência.
A teologia de Chardin não permite que a
graça seja graça, e nem permite que o pecado seja pecado. A proclamação da
evolução constante por parte de Chardin nunca se vê alterada pela realidade
bíblica do pecado no homem. Por essa mesma razão, a doutrina bíblica do juízo
quase não se vê na obra de Teilhard. O mal, para ele, é uma superabundância da
estrutura de um mundo em evolução, que se manifesta em planos diferentes,
através da desordem material, morte, solidão e angústia.
A idéia de Teilhard de união do
universo com Cristo, sendo que o universo representa o corpo orgânico de Cristo
ainda em evolução, apresenta dois grandes inconvenientes: Primeiro, tal união
tem como conseqüência lógica a deificação da criação (panteísmo). Em segundo
lugar, a cristologia de Chardin transforma o Cristo da Bíblia em um Cristo
cósmico. Em última análise, o resultado de tal união é a perda tanto do mundo,
como de Cristo.
A teologia da evolução, bem como as
teorias evolucionistas seculares, é antagônica a Bíblia. Não há como sustentar
esse sistema teológico sem perder a identidade cristã. Teilhard foi um homem
totalmente deslumbrado com as teorias científicas do seu tempo, chegando ao
ponto de afirmar que a evolução é “o sucesso mais prodigioso que a história
jamais se referiu”. Ele se emociona tanto com a evolução que se esquece que,
segundo a fé cristã, o maior sucesso da história é a vinda de Cristo, e não a
teoria da evolução.
TEOLOGIA DA HISTÓRIA: WOLFHART
PANNENBERG E A TEOLOGIA HISTÓRICA DA RESSURREIÇÃO
No final da década de cinqüenta se
podia facilmente perceber o surgimento de uma nova escola de interpretação
teológica. Esta nova ênfase podia ser claramente percebida nas teses de
doutorado de jovens professores como Ulrich Wilckens, Klaus Koch e Rolf
Rendtorff. Porém, o maior nome dessa nova escola foi sem dúvida o de Wolfohart
Pennenberg, tanto que esse grupo de jovens teólogos e a nova escola ganhou o
epíteto de “círculo de Pannenberg”.
Wolfhart Pannemberg, jovem professor de
teologia sistemática da Universidade de Mainz, na Alemanha, foi o responsável
por dar uma forma mais sistemática ao que posteriormente se convencionou chamar
Teologia da História, ou Teologia da Ressurreição.
Apesar do caráter particular da sua
obra, há quem associe a este círculo o nome de Jurgen Moltmann. É verdade que
Pannenberg compartilhem algumas idéias comuns, como o interesse pela relação
entre a história e a fé, o desejo de uma orientação teológica escatológica e
principalmente a ressurreição de Cristo, além do esforço por refutar os
pressupostos existencialistas de Bultmann. Porém, mesmo com tal similaridade de
interesses, seria incorreto agrupar os dois na mesma escola de pensamento, isso
porque, se por um lado há um ponto de contado entre os dois, por outro lado há
diferenças importantes entre esses dois esquemas teológicos. Por exemplo:
Moltmann não está tão interessado em alicerçar a fé na história. Outra
diferença entre ambos está no modo de entender a fé: Para Pannenberg, a fé está
relacionada com o passado, enquanto Moltmann a relaciona com o futuro. Neste
sentido, Moltmann está muito mais vinculado a Bultmann que a Pannenberg. Os
dois também falam da ressurreição de cristo como um tema central da fé cristã,
porém, enquanto Moltmann descarta qualquer interesse pela ressurreição corporal
como sendo algo impertinente, Pannenberg reconhece a realidade histórica da
ressurreição como algo crucial para a compreensão do Novo Testamento.
Pannenberg também não compartilha dos pressupostos marxistas de Moltmann, nem
com suas idéias de revolução social.
11.1- A questão da fé relacionada à
história.
Em sua teologia, Pannenberg apresenta
uma forte resistência às idéias de Rudolf Bultmann, principalmente por seu
conceito de redução da história à experiência individual. Ele também se opõe à
Karl Barth, acusando-o de proteger sua teologia, escondendo-a dos ataques da história.
As idéias de Pannenberg foram
revolucionárias em seu tempo, ao ponto de certo crítico afirmar que ele foi o
primeiro teólogo alemão contemporâneo a romper totalmente com os pressupostos
dialéticos barthianos. Ele não consegue assimilar as idéias dialéticas. As
supostas diferenças entre Historie e Geschicthe, entre o Jesus histórico e o
Cristo Kerigmático, e ainda os dois mundos propostos por Kant: o dos fenômenos
e o mundo numenal , na visão de Pannenberg são “um clamor sem sentido”. A
pregação da “Palavra de Deus” é uma afirmação vazia se não estiver relacionada
com aquilo que realmente aconteceu. A fé não pode ser separada de sua base e
conteúdo histórico.
11.2- O conceito de revelação e fé em
Pannenberg.
Pannenberg insiste em que a revelação
de Deus não chega ao homem de forma imediata, e sim mediata, por meio dos
sucessos históricos. Ele afirma ainda que esta história na qual se dá a
revelação, não é uma revelação especial que só pode ser compreendida pela fé,
como afirma a escola Heilsgeschichte. Segundo ele, não devemos fazer distinção
entre história salvífica e história secular ou profana (distinção comum tanto
na Heilsgeschichte como nas teologias existencialistas contemporâneas), uma vez
que os atos salvíficos de Deus realmente aconteceram e tem o seu lugar na
história. Para ele, a revelação se dá exclusivamente por meio de atos
históricos.
Não existem partes específicas na
história, ou ramificações dentro da história, antes, toda história é algo plenamente
conhecido e até mesmo ordenado por Deus. Esta revelação histórica está ao
alcance de todo aquele que tenha olhos para ver. O conhecimento histórico é a
única base da fé. A fé é, portanto, o conhecimento da verdade histórica.
11.3- Pannenberg e a ressurreição de
Cristo.
Difernte de Moltmann e dos outros
teólogos existencialistas, Pannenberg não busca desmitologizar a ressurreição,
isso porque, para Pannenberg, a ressurreição foi um fato histórico. Ele diz
estar convencido não só de que a crença da igreja na ressurreição não é um mito
pré-fabricado, como ensinou Bultmann, como também de que ela éhistoricamente
demonstrável, em oposição clara e aberta com a escola Heilsgeschichte. Ele se
recusa a explicar os relatos evangélicos da ressurreição como fruto da
imaginação dos apóstolos, pois estes estavam muito desanimados após a morte de
Cristo para chegarem sozinhos à conclusão de que Cristo ressuscitou. Eles
também não teriam nenhum benefício em inventar uma mentira de tamanha
proporção. A única explicação satisfatória para a repentina mudança que ocorreu
nos apóstolos é exatamente a ressurreição corporal de Cristo. Além disso, a
comunidade cristã primitiva não teria conseguido sobreviver, caso o túmulo de
Jesus não estivesse, de fato, vazia. A explicação inventada pelos judeus para
refutar a ressurreição é que os discípulos roubaram o corpo, mas ninguém se
atreve a questionar a realidade do túmulo vazio. O túmulo vazio é um fato
histórico e aliado à mudança repentina que ocorreu nos discípulos, é uma forte
evidência de que Jesus realmente ressuscitou corporalmente.
11.4- Objeções à teologia de Wolfhart
Pannenberg.
Ainda que Pannemberg ataque as posições
de Barth e Bultmann no que concerne à relação entre fé e história, há muitos
aspectos em que ele parece mais um herdeiro da neo-ortodoxia que seu oponente.
Ele não confere à toda Bíblia o status de revelação divina, dando a entender
que algumas partes são mais importantes que outras. Embora o mesmo ocorra no
pensamento de Agostinho e até mesmo de Lutero, essa visão que ele possui da
Bíblia tem levado muitos a relacionar o seu nome com a crítica histórica e com
o próprio Bultmann. Uma e outra vez ele insiste em que o nascimento virginal é
um mito. Ele também está de acordo com Bultmann em que os títulos que expressam
a divindade de Jesus foram criados pela igreja primitiva.
Ao fazer que a fé dependa
exclusivamente da história, Pannenberg leva-nos a concluir que as pessoas
simples e sem condições para efetuar uma pesquisa investigativa, não são
capazes de crer por si mesmas; elas apenas podem crer quando ouvem e confiam no
relato de um perito em história cristã. Com isso, ele parece tirar a fé das
mãos do crente simples e colocá-la nas mãos do teólogo experiente, que garante
a confiabilidade da informação.
Os críticos de também parecem indicar
que, sobre esta base, Pannenberg não pôde explicar de modo satisfatório a razão
da incredulidade. Se a fé está baseada exclusivamente no conhecimento da
história e esta é o seu único fundamento, Porque foi que quando Paulo pregou em
Atenas uns creram e outros zombaram?
A teologia de Pannenberg é muito mais
do que uma simples escola de interpretação. Ela é uma brilhante defesa
apologética em favor do cristianismo histórico. Seu sistema é mais ortodoxo que
o proposto pelos existencialistas e nos faz lembrar que, embora Barth e
Bultmann hajam tido debates acirrados, não existe grande diferença entre seus
sistemas. Ambos advogam uma teologia dialética que sufoca tanto a revelação
histórica como o caráter universal do cristianismo. Além disso, Pannemberg
também ressalta que a falta de uma revelação objetiva da neo-ortodoxia é, de
fato, uma ameaça à própria revelação. Sua teologia também é importante porque
ressalta ao mundo que a fé cristã é a única verdade universal. Ao refutar a idéia
neo-ortodoxa de que a revelação só se transforma em verdade para as pessoas por
meio de uma aceitação pessoal, Pannenberg destaca que a revelação não se torna
revelação quando é compreendida, ela é revelação, mesmo quando o homem não se
interessa ou busca compreendê-la.
TEOLOGIA DA ESPERANÇA: JURGEN MOLTMANN
E A ANÁLISE ESCATOLÓGICA EXISTENCIAL
Em 1965, um jovem teólogo alemão da
Universidade de Tubinga fez ressoar a sua voz através de seu livro The Theology
of Hope (A Teologia da Esperança), que saiu em inglês em 1967, cujo teor
repercutiu grandemente no mundo acadêmico. Há quem relacione ao movimento
outros dois nomes: Wolfhart Pannenberg, de Munique, e Ernst Benz, de Marburg,
porém, em nosso estudo, entendemos que Pannenberg se encaixa melhor em outro
movimento, que apresentaremos no capítulo seguinte. Porém, ainda que seja
possível fazer essa distinção, não há como negar que esses homens possuem
muitos aspectos em comum. No ano de 1969, foi publicada a sua segunda
obra,Religion, Revolution and the Future (Religião, revolução e o Futuro). Os
teólogos receberam entenderam o livro de Jurgen Moltmann como sendo um chamado
refrescante a uma maior valorização da escatologia, dentro da teologia cristã,
além de ser um ataque devastador aos teólogos existencialistas que argumentavam
na linha de Bultmann.
10.1 – Entendendo a teologia futurista
de Moltmann.
A chave central para entender a
teologia futurista de Moltmann é sua idéia de que Deus está sujeito ao processo
temporal. Neste processo, Deus não é plenamente Deus, porque ele é parte do
tempo que avança para o futuro. No cristianismo tradicional, Deus e Jesus
Cristo aparecem fora do tempo, no atempo. Na teologia de Moltmann, a eternidade
se perde no tempo. Para Moltmann, o futuro é a natureza essencial de Deus. Deus
não revela quem ele é, e sim quem ele será no futuro. Desta forma, Deus está
presente apenas em suas promessas. Deus está presente na esperança. Todas as
afirmações que fazemos sobre Deus, são produto da esperança. Nosso Deus será
Deus quando cumprir suas promessas e com isso estabelecer o seu reino. Deus não
é absoluto; ele está determinado pelo futuro.
Segundo Moltmann, toda teologia cristã
deve modelar-se através da escatologia. Acontece que a escatologia para ele não
significa a previsão tradicional da segunda vinda de Jesus. Moltmann interpreta
como aberta ao futuro, aberta à liberdade do futuro. Deus entrou no tempo, e
consequentemente o futuro se tornou algo desconhecido tanto para o homem como
para Deus.
O cristianismo evangélico relaciona
intimamente a ressurreição de Cristo com a escatologia. O Cristo ressuscitado é
“as primícias” da ressurreição (1Coríntios 15.23; At 4.2). A morte e
ressurreição de Cristo são a garantia que Deus dá de que haverá ressurreição
futura, e por isso, o começo da ressurreição final. A ressurreição de Cristo é
um fato histórico que atribui pleno significado ao nosso futuro. Porém, para
Moltmann, a questão da historicidade da ressurreição corporal de Jesus não é
válida. Jesus ressuscitou dentre os mortos há quase dois mil anos com seu corpo
físico? Para Moltmann essa é uma questão sem importância. Não devemos olhar
desde o Calvário para a Nova Jerusalém, e sim olhar o nosso futuro ilimitado
para o Calvário. Afirma-se tradicionalmente que a ressurreição de Cristo é a
base histórica da ressurreição final. Moltmann porém diria que a ressurreição
final é a base da ressurreição de Jesus.
Ainda quanto ao futuro, Moltmann diz
que o homem não deve olhá-lo passivamente; ele deve participar ativamente na
sociedade. A tarefa da igreja é não é apenas se informar sobre o passado para
mudar o futuro. É também “pregar o Evangelho de tal forma que o futuro se
apodere do indivíduo e lhe impulsione a agir de modo concreto para mudar o seu
próprio futuro. O presente em si mesmo não é importante. O importante é que o
futuro se apodere da pessoa no presente”.
Para que o futuro se realize na
sociedade, as categorias do passado devem ser descartadas, pois não existem
formas ou categorias fixas no mundo. O futuro significa liberdade e liberdade é
relatividade.
O principal propósito da igreja é ser o
instrumento por meio do qual Deus trará a “reconciliação universal e social”. A
participação da igreja na sociedade poderá utilizar a revolução como meio
apropriado, mesmo que ela não seja necessariamente o único meio. Neste avançar
para o futuro, o problema da violência versus não-violência recebe o nome de
“problema ilusório”. A questão não é a violência em si, e sim se o uso da
violência foi justificado ou injustificado. Essa tendência pragmática em que os
fins justificam os meios é uma tendência muito forte dentro da Teologia da
Esperança.
Assim como na “Teologia Secular”, aqui
também pode ser vista uma profunda consciência para com o mundo. A idéia de
Moltmann de considerar a Bíblia desde o começo como um livro escatológico pode
parecer um atrativo para o cristão ortodoxo. Realmente um assunto tão
importante quanto a escatologia não deveria ocupar as últimas páginas em nossos
livros de teologia sistemática. Porém,
qualquer conservador certamente saberá reconhecer os erros patentes de
Moltmann, bem como os horrores que traria a sua visão ética.
10.2- Objeções à Teologia da Esperança.
Moltmann critica muitos conceitos
neo-ortodoxos, mas ele acaba levando os conceitos barthianos muito mais longe.
Barth havia transcedentalisado a escatologia por meio do emprego da distinção
entre Historie e Geschichte, mas Moltmann foi ainda mais além, e rejeitou todo
o conceito objetivo da história. Se por um lado a dialética de Barth acabou com
a possibilidade da relação entre história e fé, a teologia de Moltmann destruiu
até mesmo a possibilidade de haver história.
Ainda que Moltmann revista sua escatologia
de conceitos bíblicos, seu sistema está mais fundamentado no marxismo do que em
Cristo. O primeiro livro de Moltmann, “Teologia da Esperança” nasceu de um
dialogo com o ateu alemão Ernst Bloch, e quando lemos o seu segundo livro,
vemos que nesse intercâmbio, Moltmann assimilou muitas idéias de Bloch.
A idéia que Moltmann tem da escatologia
é destituída de base bíblica. Apesar de todo esforço de Moltmann para produzir
uma teologia bíblica, no final, seu sistema nada mais é do que uma teologia
centralizada no homem, em um homem que observa o futuro e age na sociedade. A
meta do futuro de Moltmann não é a plena manifestação da glória de Cristo; ela
é a edificação da utopia na terra. Para ele, o Reino de Deus se introduz na
terra por meio da política e da revolução. Para o apóstolo Paulo, no entanto, o
Reino de Deus é, e será introduzido por meio da proclamação do poder salvador
de Jesus Cristo (Atos 28.30-31). Para Moltmann, esse reino é também uma
realidade terrenal e tangível; o Reino de Deus, no entanto, é descrito na
Bíblia como celestial. Para Moltmann, o Reino de Deus é trazido por meio da
revolução; no entanto, segundo a Bíblia, o Reino de Deus traz a paz, e não a
guerra (Romanos 14.7).
Quanto ao conceito de Deus, ele não
admitia nenhum Deus eterno ou infinito. Ao entrar no tempo, segundo ele, Deus
se tornou finito e aberto a um futuro desconhecido. O Deus da Bíblia existe de
eternidade a eternidade; o de Moltmann, porém, só existe no futuro, pois no
presente ele sequer é Deus. Como observou certo escritor: “No monte sinai, Deus
disse a Moisés: Eu sou o que sou, mas Moltmann não permitua que Deus lhe
dissesse o mesmo.
A teologia de Moltmann tem maior dívida
com Nietzche, com Overback e com Feurbach do que com Paulo, Pedro ou João. Ela
é mais marxista que bíblica, e mais filosófica que teológica. Em seu afã de
refutar as teologias não-ortoxas do seu tempo, Moltmann ultrapassou o limite do
bom senso e acabou por propor uma teologia quase tão nociva quanto aquela a que
ele se dedicou a refutar. Essa teologia do Deus finito e temporal, e que ainda
incita a rebeldia e a revolução, não pode ser teologia bíblica. Ela é antes, um
tropeço, um escândalo e uma nociva ameaça à sã doutrina.
ÉTICA SITUACIONAL: JOSEPH FLETCHER E UM
NOVO CONJUNTO DE VALORES PARA O HOMEM MODERNO
Não demorou muito para que o ocidente
abandonasse as idéias éticas tradicionais do cristianismo. O homem moderno
distanciou-se de Deus, e ao distanciar-se perdeu também seus valores éticos, e
consequentemente teve que partir em busca de uma nova moralidade. É esse novo
conjunto de valores do homem moderno que nós denominamos ética situacional.
Com raízes que penetram os princípios
éticos de homens como Karl Barth, Rudolf Bultmann e Paul Tillich, com
princípios teológicos mais existencialistas que puritanos, mais neo-ortodoxos
do que propriamente ortodoxos, o movimento chamou a atenção da opinião publica
em 1966, quando o Dr. Joseph Fletcher, professor de ética social no Seminário
Episcopal de Cambridge, Massachusetts, publicou o livro Situation Ethics. O
livro de Robinson, Honest to God, também ajudou a propagar as idéias do
movimento.
A popularidade da ética situacional
como sistema teológico não teve tanta influência nos seminários teológicos
protestantes do Brasil, embora como sistema filosófico, suas idéias tenham sido
rapidamente implantadas nas universidades brasileiras. Quanto aos pressupostos
da ética situacional, Fletcher definiu esses pressupostos como sendo:
Pragmatismo – Doutrina segundo a qual o valor da verdade é determindado
pela funcionabilidade.
Relativismo – Conceito filosófico segundo a qual a verdade é um valor
subjetivo, não havendo imposição moral absoluta.
Positivismo – Segundo essa cosmovisão, as declarações de fé são
voluntaristas e não racionais.
Existencialismo – Filosofia que coloca o homem no centro do universo. O
importante não são os valores objetivos, mas a maneira como o ser humano
experimenta esses valores.
Essa nova moralidade religiosa, ou
ética situacional, se opõe grave e abertamente a muitas formas da “ética
tradicional”. Ela é uma reação às leis, normas e princípios morais da velha
moralidade, sustentada como modo ideal de conduta. Robinson diz que a velha
moralidade é dedutiva, começando a partir de normas absolutas, eternamente
validadas e imutáveis. A nova moralidade, por sua vez, é indutiva, começando
com a própria pessoa, o que denota, segundo ele mesmo, a prioridade da pessoa
sobre os princípios. Com isso, a ética situacional exalta o homem sobre a lei.
O critério fundamental e único de conduta
para o situacionista, não é um código ético, e sim o amor ágape, um amor
desinteressado e sacrificado, porém tal amor é impossível dentro de uma
teologia pragmática, em que os fins justificam os meios. Para Robinson e
Fletcher, o único mal intrínseco é a falta de amor e o único bem e virtude é
exclusivamente o amor. A nova moralidade da qual o homem moderno se vê vestido
tende a ver toda a moralidade cristã como um conjunto de tabus que devem ser
quebrados a todo custo. Não há nela nenhuma menção a pureza sexual, ao
contrário, ela promove a sensualidade. Ao afirmar que aquilo que é feito com
amor não é pecado, a nova ética transforma o amor ágape em eros.
A principal característica da ética
situacional é que o fim justifica os meios. Pode um bom fim ser anulado por
ummeio mau? Para a ética situacional, a resposta é não. Certo e errado dependem
da nossa decisão neste mundo relativista. Por exemplo: “se o bem estar
emocional e espiritual do casal e dos filhos será promovido com a separação do
casal, então, neste caso, o amor exige o divórcio”.
O certo e o errado, segundo a
cosmovisão situacionista, é uma questão subjetiva, pragmática, existencial e
deve estar baseada no amor. Em outras palavras, para Fletcher e os demais
teólogos da situação, ao avaliar a veracidade de um determinado comportamento a
pergunta a ser feita não é “o que a Bíblia diz?”, mas: “o que eu acho disso?”,
“de que forma isso pode me dar prazer?”, “dará certo?” e por último “eu estou
fazendo por amor?”. É claro que esses conceitos são demasiadamente ingênuos e
conduzem fatalmente à imoralidade.
9.1- Conhecendo os pressupostos da nova
moralidade.
Quanto ao pragmatismo como tendência
evangélica, John F. McArthur diz o seguinte: “Oponho-me ao pragmatismo tão
freqüentemente defendido por especialistas em crescimentos de igreja, que
colocam o crescimento numérico acima do crescimento espiritual, crendo que
podem induzir esse crescimento numérico por seguirem quaisquer técnicas que
parecem produzir resultados naquele momento”. O pior de tudo não é quando as
tendências pragmáticas são usadas para construir o crescimento de igrejas –
ainda que o pragmatismo já seja um conceito escandaloso em si mesmo – mas sim,
quando a ética cristã é comprometida no afã alcançar as massas, conforme diz C.
Peter Wagner, que também é um pragmático: “A Bíblia não nos consente pecar, a
fim de que a graça seja mais abundante, ou não permite usarmos quaisquer meios
que Deus tenha proibido, a fim de alcançarmos os fins que Ele nos recomendou”.
É justamente esse tipo de pragmatismo imoral e anti-cristão que Fletcher propõe
em sua teologia. É tolice pensar que alguém pode ser bíblico e pragamático, ao
mesmo tempo. O pragmatista deseja saber o que produzirá resultados. O pensador
bíblico, por outro lado, se importa tão-somente com o que a Bíblia ordena. As
duas filosofias se opõem mutuamente no nível mais básico.
O pragmatismo também foi a maior
tendência da igreja ocidental na segunda metade do século vinte. Em 1955, de um
modo quase profético, o estudioso A.W. Tozer discorreu sobre o futuro da igreja
nestes termos: “Digo sem hesitação que uma grande parte das atividades
existentes hoje nos círculos evangélicos não são apenas influenciadas pelo
pragmatismo, mas parecem totalmente dominados por ele”. Este mesmo escritor
acrescenta, em tom de desabafo: “A filosofia pragmática [...] não faz perguntas
embaraçosas a respeito da sabedoria daquilo que estamos realizando ou a
respeito de sua moralidade. Aceita como corretos e bons nossos alvos
escolhidos, buscando meios e maneiras eficientes para alcançá-los”.
Qualquer filosofia de ministério do
tipo “fins-que-justificam-os-meios” inevitavelmente comprometerá a doutrina, a
despeito de qualquer proposição em contrário. Se a eficácia se tornar o
indicador do que é certo ou errado, sem a menor dúvida nossa doutrina será
diluída. Em última análise, o conceito de verdade para um pragmatista é moldado
pelo que parece ser eficaz e não pela revelação objetiva das Escrituras.
Assim como o pragmatismo, o relativismo
também é uma afronta ao cristianismo. Não há nenhuma possibilidade de ser um
indivíduo cristão e ao mesmo tempo relativista, visto que as duas cosmovisões
são mutuamente excludentes. Além disso, o relativismo deve ser rejeitado por
várias questões. Se todas as reivindicações de verdade são de um mesmo valor, todas
as proposições de verdade são verdadeiras, e consequentemente, não há verdade
nenhuma. Dentro de um sistema relativista o assassínio, o estupro e o genocídio
possuem o mesmo valor dos ideais cristão da caridade, perdão e respeito mútuo.
Se a verdade é apenas uma questão relativa, não há razão nenhuma no estudo da
verdade. Do mesmo modo, se a verdade em moralidade é uma questão pragmática e
relativa, a única razão para ser bom é a vantagem que eu posso tirar da
situação. Porém, ao contrário do que ensina o relativismo, a verdade não é uma
questão relativa, mas extremamente absoluta que tem seu ápice na pessoa de
Jesus (João 14.6). A Bíblia nos apresenta um conjunto de imposições morais que
devem ditar o nosso modo de viver, e não apenas idéias pragmáticas e relativas
(Mateus 5.44-48). Qualquer tentativa de conciliar o relativismo com o
cristianismo constitui irracionalidade e fraude.
O existencialismo é uma filosofia
centrada no eu, portanto, como doutrina teológica ela comete erros graves. Ao
propor um antropocentrismo teológico, o existencialismo se descaracteriza
completamente como proposta bíblico-teológica. Deus é a pessoa central para
quem todas as coisas convergem, e não o homem (Romanos 11.36). Essa tendência
de interpretar a Bíblia em termos existenciais tem sua origem muito antes de
Fletcher, no pensamento do dinamarquês Soren Kierkgaard, bem como na teologia
de Friedrich Scheleiermacher, e está sempre reaparecendo na teologia
contemporânea. Com idéias que remontam ao Romantismo, o existencialismo é uma
forte tendência na teologia contemporânea. O positivismo, por sua vez, é um
fideísmo exagerado e anti-bíblico. Como corrente teológica, tem sua maior
abrangência nos círculos místicos, onde às vezes a ignorância pretensamente se
veste de autoridade espiritual.
9.2 – Uma análise da nova moralidade
religiosa.
A ética situacional elabora seu
programa sem dar nenhuma atenção ao arrependimento, ao juízo, à fé e à
redenção. Robinson deixa a impressão de que o homem moderno é tão maduro que
precisa de muito pouca – e talvez nenhuma – ajuda espiritual fora dos seus
próprios recursos naturais, expressando, sem nenhuma dúvida, a religiosidade
idealizada pelo homem moderno. O sistema ético situacional é um sistema que não
pede nada em termos éticos e teológicos. As implicações surgem em vários
aspectos, desde desonestidade a imoralidade sexual. Poderia haver sistema
melhor para o homem natural?
A conclusão quanto ao referido capítulo
é aparentemente óbvia: qualquer teologia do tipo “fins-que-justificam-os-meios”
inevitavelmente comprometerá a doutrina, a despeito de qualquer proposição em
contrário. Se a eficácia se tornar o indicador do que é certo ou errado, sem a
menor dúvida nossa doutrina será diluída. Em última análise, o conceito de
verdade para um pragmatista/relativista é moldado pelo que parece ser eficaz e
não pela revelação objetiva das Escrituras.
TEOLOGIA SECULAR: ROBINSON, COX E
BUREN: UMA TEOLOGIA DO MUNDO PARA O HOMEM MODERNO.
Na idade média houve uma forte
tendência eclesiástica de sacramentalizar a sociedade, de tal forma que o
pensamento teológico acerca do Reino de Deus se mesclou com as pretensões do
papado. A intenção era trazer o Reino de Deus através da força militar e
plantar suas idéias na sociedade. Em meados do século vinte, a tendência
parecia ser a oposta. Desde Karl Barth, havia um forte clamor por um
cristianismo menos dogmático e mais vivenciável, e no período pós-guerra esse
clamor se intensificou e se homogeneizou com algumas idéias extremamente
sociais e humanistas. Começava a nascer então a teologia da secularização.
Poucos sabem, mas o secularismo tão
presente e difundido em nossa era, já esteve organizado em um forte sistema
religioso. A princípio, os secularistas conservaram alguma forma moderada de
religião, talvez por medo de se oporem ao amor e ao culto cristão, mesmo quando
pensavam que a idéia de Deus era obsoleta. Esse tipo de concessão, porém, está
mudando vertiginosamente, tanto que se cumpre hoje o que foi dito por certo
comentarista: “no fim do século vinte, os cristãos consagrados serão uma
minoria consciente no ocidente, rodeados por um paganismo agressivo e
arrogante, que é o desenvolvimento lógico da nossa tendência secularista”. De
fato, o final do século vinte e início do século vinte e um, foram marcados por
uma forte tendência secular, apostasia deliberada e oposição aberta ao sagrado.
Uma das manifestações mais abertas e
nocivas dessa “deserção secularista de Deus” que caracteriza a apostasia,
encontra sua versão religiosa no que passou a chamar-se teologia secular. Sendo
esse um movimento com muitas posições extremas, resiste a toda definição, ainda
que exige atenção. O conhecido movimento da morte de Deustalvez tenha já
morrido como moda teológica, porém, como ramificação da teologia secular, ele
continua influenciando a igreja e seus ensinos sadios. Esse radicalismo
ateológico ganhou proporções gigantescas no best-seler de John Robinson, Honest
to God (1963). O livro de Robinson começa com o convencimento de que a idéia de
um Deus “lá em cima”, tão transcendente como na teologia de Kierkgaard, de
Barth e na filosofia de Kant deve ser deixada de lado por se tratar de uma
idéia antiquada e errônea. O problema é que ao invés de buscar a moderação
entre a transcendência e a imanência de Deus, ele parte para a idéia de um Deus
no nosso interior, algo totalmente imanente. Robinson reafirma que Deus é o
fundamento do nosso ser, e acrescenta que a igreja nunca deveria ser uma
organização para homens religiosos; não deve haver uma distinção entre igreja e
mundo. O lema desses novos “crentes”, cristãos secularistas é “ama a Deus e
faça o que quiser”.
Em outro livro, escrito em 1965, se
percebem as mesmas exigências teológicas. A Cidade Secular, de Harvey Cox,
apresenta o secularismo não como inimigo da igreja, mas como fruto do
evangelho. Por secularismo, Cox entende o processo histórico pelo qual a
sociedade se liberta do controle da igreja e dos sistemas metafísicos fechados.
O centro de interesse dessa nova teologia não é a igreja, mas sim o mundo e as
suas necessidades. O Deus da Bíblia, segundo ele, deve ser redefinido como
sendo o Deus deste mundo (cf. 2 Coríntios 4.4).
8.1- A postura da teologia secular.
Quais seriam os pressupostos dessa
teologia do mundo? Que idéias os chamados teólogos seculares defendem? O que
apresentamos à seguir são as principais idéias esposadas pela teologia do
mundo.
Em primeiro lugar, os teólogos
seculares estão de acordo que os problemas deste mundo deveriam ser uma das
preocupações vitais da igreja.Eles reclamam que a igreja tem se esquivado e
racionalizado quanto as suas falhas em não enfrentar-se com os males sociais e
políticos. Com respeito a isso, a voz mais eloqüente foi Dietrich Bonhoeffer,
pastor alemão executado pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial por
participar de um complô contra a vida de Hitler. O espírito ativista de Hitler
é o espírito da teologia secular, e talvez seja essa a razão pela qual ele
chegou a ser considerado uma espécie de patrono do secularismo teológico.
Muitos dos valores desse movimento teológico foram retiradas do diário e das
cartas de Bonhoeffer, escritas na prisão, enquanto este aguardava a execução.
A conduta de Bonhoeffer é reprovável e
anti-cristã. A Bíblia nos instrui a amar nossos inimigos (Mateus 5.44), não a
assassiná-los; a orar pelas autoridades (1 Timóteo 2.2), e não lutar contra
elas. Porém, seus pressupostos nos trazem à mente uma verdade que foi expressa
pelo próprio Bonhoeffer, a de que “não se pode encerrar a Cristo na sociedade
sagrada da igreja”. O campo é o mundo, e a nossa teologia não deve ser
confinada às quatro paredes da nave de um templo.
Os teólogos seculares também afirmam
que nossa teologia deve expressar um espírito de secularização. Harvey Cox diz
que devemos deixar de falar da ontologia antiquada para começarmos a falar de
funções e de ativismo dinâmico. Nas palavras de Robinson, a pergunta “Como
posso encontrar um Deus benigno?” deve ser substituída por “Como encontrar um
próximo benigno?”. Sem dúvida, o mais radical dos teólogos seculares é Paul Van
Buren. Buren, em seus razoamentos teológicos afirma que o próprio Deus deve ser
excluído do cenário teológico. O cristianismo, segundo ele, deve ser
reconstruído sem Deus, e Cristo deve ser visto como o paradigma da existência
humana. Na teologia secular, não há espaço para o Jesus salvador. Ele é, no
máximo, um bom exemplo.
A terceira objeção diz respeito à
possibilidade do sobrenatural. Existe na teologia secular um esforço para
minimizar o sobrenaturalismo. A idéia liberal de que Jesus foi apenas um homem
bom que viveu perto de Deus ganhou vida dentro da teologia secular. Robinson
fala da expiação como “a entrega completa de Jesus em amor”, no qual ele
“revela que o fundamento do ser humano é o amor”. Ele, assim como Cox e Buren,
repudia a idéia de uma expiação sobrenatural e perdoadora. É uma teologia
totalmente naturalista, cujo Deus é literalmente o Deus deste mundo (2
Coríntios 4.4). Assim também, os teólogos seculares rejeitaram totalmente o
reino sobrenatural e a segunda vinda de Cristo. O único mundo real é o aqui e
agora, e a idéia do céu é chamada por eles de “escotilha de escape”.
8.2- Avaliação da teologia secular.
Há quem creia que a teologia da
secularização tenha trazido apenas prejuízo à teologia ortodoxa, mas, apesar do
prejuízo causado ter sido maior que o bem que ela tem feito, uma da suas
contribuições para a teologia ortodoxa foi plantar algumas perguntas que os
teólogos, encerrados em seus sistemas dogmáticos, não tinham pensado em fazer,
e muitas delas têm repercussão missionária e verdadeira importância na
contextualização da mensagem cristã para o mundo.
Qual deve ser a reação da igreja
perante essas doutrinas? Certamente reconhecemos que esses homens captaram o
espírito de nosso tempo. O problema é que eles não somente captaram, senão que
deixaram dominar-se por ele. A teologia secular é radical e anti-bíblica. É verdade que Jesus recomendou que
preocupássemos com os males do nosso mundo e buscássemos corrigi-los (Mateus
25.31-46), mas os teólogos seculares confundem o serviço no mundo com serviço
para o mundo; estamos no mundo para servir nele, e não para servir a ele. Além do mais, eles esquecem que o amor de
Deus escolhe filhos, e não apenas servos. A vida cristã é um viver com Deus, é
uma vida em adoração e não somente uma vida de trabalhos humanitários. Os
teólogos seculares vestem seu humanismo de jargões teológicos e nos ensinam a
viver no mundo de Marta, quando uma coisa só é necessária.
A teologia secular, em seu repúdio pela
metafísica e a ontologia, demonstram seu preconceito quanto ao mundo fenomenal.
Eles não querem uma Bíblia sobrenaturalmente inspirada, não querem crer em um
Deus ativo na criação, e não esperam um reino futuro. Tal como Bultmann, eles
ignoram o sobrenatural. Sua teologia é a essência da apostasia descrita na
Bíblia como característica do tempo do fim. A teologia secular fala de um reino
centralizado na obra e no futuro de um homem autônomo. O único reino que a Bíblia
conhece está centralizado no poder e na obra de Cristo, nunca no homem (cf.
Mateus 11.11 ss.; 12.22 ss.).
A teologia secular demonstra o desejo
de uma reformulação do cristianismo em termos que sejam aceitáveis para o
pensamento moderno e que possa ser traduzido em termos compreensíveis para o
homem do século vinte. A teologia secular é uma teologia mundana elaborada para
responder à incredulidade arrogante de um homem que não ama a Deus, mas a si
mesmo.
HEILSGESCHICHTE: A ESCOLA TEOLÓGICA DO
DR. OSCAR CULLMANN
Parte do mundo teológico do século
vinte gira em torno de uma palavra alemã, Heilsgeschichte, que pode ser
traduzida para a língua portuguesa como história da salvação. A palavra ganhou
um significado mais pleno dentro da teologia ocidental contemporânea após os
escritos do teólogo suíço, perito no Novo Testamento, o Dr. Oscar Cullmann.
Ainda que o significado e origem de heilsgeschichte remonta aos teólogos
alemães do século dezenove, como J.C.K. von Hofmann e Adolf Schlater, o Dr.
Cullmann é a pessoa que popularizou o termo no século vinte.
Introduzir neste ponto nosso estudo
sobre Cullmann e a Heilsgeschichte é intencional, porque parte da obra de
Cullmann foi escrita de modo a refutar e interagir algumas idéias de dois
importantes teólogos contemporâneos, cujos pressupostos já foram apresentados,
a saber: Barth e Bultmann. De Karl Barth, a Heilsgeschichte de Cullmann tomou
muitas idéias básicas para um novo enfoque da história. Também foi influenciado
pela compreensão cristocêntrica do barthianismo e pelo conceito definitivo do
papel da fé na revelação divina. De Rudolf Bultmann, Cullmann tomou os métodos
exegéticos da crítica formal para aplicá-lo em sua reconstrução da história do
Novo Testamento. Devido a essa relação com os escritos de Barth e Bultmann, é
sábio referir-se as idéias de Oscar Cullmann como sendo neo-ortodoxas em sua
orientação.
O mais interessante na obra de Cullmann
é que, ao mesmo tempo em que Cullmann manteve algumas idéias de Barth e
Bultmann, ele não temeu desassociar-se desses homens. Ele diz que Barth e
Bultmann assimilaram noções filosóficas estranhas “que corromperam sua
percepção da mensagem espontânea do Novo Testamento”. Segundo Cullmann, o
impulso de Bultmann, principalmente ao fazer distinção entre os elementos essenciais
e acidentais da mensagem do Novo Testamento, é arbitrário e ingênuo. O Novo
Testamento, segundo ele, deve ser a chave para a compreensão de si mesmo.
Esta diferença entre Cullmann e seus
contemporâneos pode explicar porque muitas de suas idéias têm sido aceitas aos
evangélicos ocidentais, ao passo que as idéias de Barth têm sido rejeitadas.
Seus escritos são menos dependentes do existencialismo e de outros pressupostos
filosóficos, e mais dependentes da exegese bíblica do que a obra de Barth e Bultmann.
Diferente desses dois homens, ele submeteu suas interpretações ao contexto que
lhe oferecia a própria Escritura, se opondo fortemente a muitas características
radicais da crítica formal e da desmitologização. Neste mesmo sentido,
enfatizou a importância da história para a compreensão adequada da Bíblia.
Ainda que seu conceito de história está bastante renhido com o evangélico, sua
ênfase na idéia central da história da salvação, de que Deus atua na história,
comunga muito bem com a teologia ortodoxa. Outro ponto importante na teologia
do Dr. Cullmann é a ênfase cristológica de seus escritos. Um dos livros mais
inteligentes de Cullmann é um estudo exegético dos títulos de Cristo no Novo
Testamento. Neste livro ele afirma que a teologia cristã primitiva é quase
exclusivamente cristologia.
7.1- Principais postulados da escola
Heilsgeschichte de teologia.
A Heilsgeschichte (daqui por diante nos
referiremos a ela apenas por história da salvação), como escola de
interpretação teológica insiste principalmente na história e na revelação de
Deus na história. O tempo, para Cullmann, é algo no qual Deus atua para
realizar a salvação do homem em Cristo. A revelação e a redenção divina estão
baseadas em realidades históricas bem objetivas, e não em mitos levantados pela
igreja, como afirma Bultmann, porém, ao enfatizar a história como veículo da
revelação, Cullmann consequentemente está privando a Escritura de ser o dado
básico da religião cristã. O dado básico passa a ser a história santa e a
Escritura passa a ser apenas uma constante desse dado definitivo, e não uma
realidade em si mesma. Como afirmou George Ernest Wright, perito em Antigo
Testamento da mesma escola, “a revelação se dá em fatos históricos, não em
palavras. Devemos entender o Novo Testamenticomo testemunho dos atos
reveladores de Deus”.
A ação central na história da salvação
é a primeira vinda de Jesus Cristo como Salvador. Toda a história e todo o
tempo, segundo Cullmann, são um drama mundial e Jesus é a figura principal
neste drama. Os judeus no tempo do Novo Testamento aguardavam a vinda do
Messias-Salvador como o anuncio iminente do fim do mundo, o centro da história,
depois do qual viriam as glórias da era vindoura. A Bíblia dá testemunho que
Jesus é o messias e que ele deu início a essa nova era.
Isso implica em uma nova perspectiva
escatológica. Para Cullmann, a escatologia inclui todos os sucessos salvadores
a partir da encarnação e concluirá com a segunda vinda. As bênçãos da era
vindoura começaram com a obra e o testem,unho de Cristo, mas sua finalização
está reservada para o tempo da segunda vinda, quando o Reino de Deus estará
presente de modo pleno, em todo o seu poder e glória. A igreja, portanto,
apareceu na história da salvação na fase final do plano de redenção divino. A
batalha que decide a vitória final já teve seu lugar, de modo que a história se
encontra em um drama cósmico, sendo ela mesma a chave de ação na linha estreita
da história bíblica. A razão pela qual Cullmann não admite que o Evangelho seja
revelação é justamente essa: aceitar o Evangelho seria limitar a ação de Deus a
essa linha estreita.
Quanto à revelação, Cullmann afirma que
o interprete somente conhece a história quando se identifica com ela.
Obviamente que essa é uma idéia neo-ortodoxa. A história, quando o interprete a
conhece, passa a ser revelação, e o estudioso participa dessa história pela fé.
A pesar da forte insistência na historicidade dos relatos bíblicos, Cullman e
os outros teólogos da história da salvação ainda têm dificuldades em considerar
o significado da salvação como algo objetivamente acessível, e continua falando
da experiência religiosa como ponto de apoio da revelação.
7.2- O pensamento de Cullman e a
ortodoxia teológica.
Apesar da crítica que Cullmann faz do
uso da crítica formal por parte de Bultmann, em última análise, o uso que ele
mesmo faz do criticismo faz distinção entre a Bíblia e a palavra de Deus.
Cullmann chama o relato Bíblico da criação e a segunda vinda de mitos, o que
mostra que ele não está totalmente disposto a admitir a realidade da revelação
como verdade infalível contida na Escritura.
Com relação ao conceito de Cullmann
sobre a revelação, também deveríamos advertir que ele continua dependendo muito
do subjetivismo da neo-ortodoxia. A teologia da reforma sempre insistiu na
necessidade da iluminação do Espírito Santo para compreender a revelação de
Deus (1Coríntios 2.14). O maior propagador da história da salvaçãocrê que, a
menos que o homem a entenda, ela nem mesmo é revelação.
Por último, sua ênfase exclusivamente
cristológica acaba por converter o cristianismo em cristomonismo – para usar
uma terminologia barthiana – , pois ao enfatizar demais o cristocentrismo, ele
acaba por negligenciar as formulações cristãs históricas da doutrina da
trindade. É verdade que a teologia da igreja primitiva estava marcada pela
cristologia (2Coríntios 13.13), mas era também uma teologia trinitariana
(Romanos 8.31-39; João 1.18 e 1Coríntios 15.28).
Como já foi esposado anteriormente, a
teologia da Heilsgeschichte se parece muito com a teologia ortodoxa. Sua forte
insistência na salvação como um sucesso histórico centrado em Cristo é muito
útil como defesa apologética e refuta a contento o programa de desmitologização
de Bultmann. Suas idéias acerca da relação entre a escatologia e a primeira
vinda de Cristo, têm se demonstrado especialmente úteis, inclusive para
corrigir certa insistência ortodoxa do passado. Suas idéias exegéticas a
respeito das escrituras também são parte significativa de sua contribuição para
a teologia. Junto com isso, o leitor evangélico deve ter sempre presente que os
pressupostos básicos de Cullmann são os de Barth e Bultmann e consequentemente
essas mesmas idéias às vezes são um estorvo para o exame e compreensão da
história da salvação.
DESMITOLOGIZAÇÃO: O MÉTODO INTERPRETATIVO
DE RUDOLF BULTMANN
Uma das palavras chaves para entender a
teologia do século vinte é a “desmitologização”. Essa palavra cacofônica é uma
terminologia que foi popularizada por Bultmann em um ensaio escrito em 1941,
tornando-se a partir daí um jargão teológico. O impacto desse conceito na
Europa foi tremendo, e se por um lado a Alemanha perdeu pouco a pouco o
interesse pelos pressupostos da desmitologização, a idéia recebeu um novo
estímulo quando o John Robinson discorreu sobre o tema em seu livro Honest to
God, de 1963.
Não é possível sintetizar todo o
pensamento de Bulmann em uma única palavra. No capítulo anterior, apresentamos
uma parte muito importante da influência atual de Bultmann. Apesar disso, a
teologia da desmitologização é sem dúvida uma parte importantíssima da teologia
contemporânea e merece destaque entre as idéias que Bultmann ajudou a
preconizar, além de ser ainda hoje a parte de sua formulação teológica mais
controversa.
O que será que há de tão controverso e
ao mesmo tempo tão atraente nesse conceito de Bultmann, a ponto de instigar
consideravelmente os teólogos dos Estados Unidos, Europa e da Ásia, e continuar
exercendo influência no pensamento teológico contemporâneo ocidental? É isso
que estaremos analisando neste capítulo.
6.1- O programa de desmitologização.
No centro do programa de
desmitologização de Bultmann consta na afirmação de que no Novo Testamento
encontram-se duas coisas:
O Evangelho cristão, por um lado.
A cosmogonia do século primeiro, de índole mitológica, de outro lado.
Sendo assim, o teólogo contemporâneo
precisa separar o kerigma (transliteração da palavra grega que significa
“conteúdo da pregação”), de sua envoltura mitológica. O kerigma seria a
entranha irredutível na qual o homem moderno deve crer.
A idéia de mito, para Bultmann, tem sua
origem no pensamento pré-científico do século primeiro. O propósito do mito
seria expressar a maneira como o homem vê a si mesmo, e não apresentar um
quadro objetivo e histórico do mundo. O mito emprega imagens e termos tomados
deste mundo para transmitir convicções acerca do enfoque que o homem tem de si
mesmo. No século primeiro, o judeu entendia o seu mundo como um sistema aberto
a Deus e aos poderes sobrenaturais. Nessa era pré-científica, acreditava-se que
o universo tinha três níveis, com o céu acima, a terra no centro e o inferno
debaixo da terra. Bultmann insiste que essa é a visão de mundo encontrada na
Bíblia.
Esta inserção mítica, segundo Bultmann,
também foi utilizada para transformar Jesus. A pessoa histórica de Jesus,
segundo esse professor, se converteu rapidamente em um mito do cristianismo
primitivo, e é por isso que Bultmann argumenta que o conhecimento histórico de
Jesus não tem valor para a fé cristã primitiva, pois o quadro apresentado pelo
Novo Testamento é de índole essencialmente mítica. Os fatos históricos acerca
de Jesus se transformaram em uma história mítica de um ser divino e
preexistente que se encarnou e expiou com seu sangue os pecados de todos os
homens, ressuscitando também dentre os mortos e subindo ao céu e, segundo se
cria, regressaria rapidamente para julgar o mundo e iniciar uma nova era. Esta
história também foi embelecida com histórias milagrosas, vozes celestes e
triunfos sobre demônios. Bultmann afirma que toda essa apresentação que o Novo
Testamento faz de Jesus não passa de mito., isto é, do reflexo do pensamento
pré-científico das pessoas do século primeiro, que criaram esses mitos para
entenderem melhor a si mesmos. Esses mitos, segundo ele, não tem nenhuma
validade para o homem do século vinte, que acredita em hospitais, e não em
milagres; em penicilina, e não em orações. Para transmitir com eficácia o
evangelho ao homem moderno, devemos despojar o Novo Testamento dos mitos e
encontra o Evangelho por trás dos Evangelhos. É este processo de descobrimento
que Bultmann chama de desmitologização.
O processo de desmitologização, segundo
o próprio Bultmann, não significa negar a mitologia, e sim interpretá-la
existencialmente, em função da compreensão que o homem tem de sua própria
existência. Bultmann busca fazer essa interpretação existencialista dos mitos
utilizando conceitos do filósofo existencialista alemão Martin Heidegger
(1889). Assim, ele afirma que o suposto nascimento virginal de Cristo é uma
tentativa humana de expressar o significado de Jesus para a fé. A cruz de
Cristo também perde seu significado expiatório. Cristo na cruz não está fazendo
nenhuma substituição vicária: ela tem significado apenas como símbolo de que o
homem assumiu uma nova existência, renunciando toda a segurança material por uma
vida que se vive apoiado no transcendente.
6.2- Características básicas da
mitologia do Novo Testamento.
Em ultima análise, Bultmann diz que as
características básicas da mitologia do Novo Testamento se concentram em duas
categorias de autocompreensão: a vida fora da fé e a vida de fé.
A vida fora da fé.
Nesse sentido, os termos conhecidos
como pecado, carne, temor e morte são apenas explicações míticas da vida fora
da fé. Em termos existenciais, pode-se dizer que significam uma vida escrava
das realidades tangíveis, visíveis e que perecem.
A vida de fé.
A vida de fé, por outro lado, consiste
em abandonar completamente esta adesão às realidades tangíveis. Significa ainda
a libertação do próprio passado e a abertura para o futuro de Deus. Para Bultmann,
essa abertura ao futuro de Deus é o único significado real da escatologia. A
implicação desse pensamento é que o viver escatológico genuíno é viver em
constante renovação através da decisão de obedecer.
6.3 – Objeções à doutrina de Bultmann
.
A teologia de Bultmann é anti-cristã e
herética, e o nosso juízo sobre ela deve ser negativo por vários aspectos:
Primeiro, a desmitologização, assim
como a neo-ortodoxia, tem grande dívida com a filosofia existencialista, que
está em desacordo com o Novo Testamento. No existencialismo, assim como na
neo-ortodoxia e na teologia da desmitologização, o enfoque central é o próprio
homem, quando na Bíblia o enfoque é Deus. Sob influência do existencialismo,
Bultmann coloca o homem no centro das atenções, cometendo uma injustiça e
porque não dizer, sendo desonesto para com o caráter teocêntrico do Novo
Testamento. O verdadeiro propósito do Novo Testamento é proclamar que o Deus
soberano veio ao mundo na pessoa de Jesus para restaurar a natureza humana e
resgatar a humanidade. O coração do Novo testamento continua sendo Deus, e não
o Homem.
A desmitologização destrói a
objetividade do NovoTestamento, portanto, é anti-cristã. Ela converte a Bíblia
em uma religiosidade baseada no irreal e pré-científico. A religião cristã se
transforma em um aglomerado de mitos e a historicidade dos eventos milagrosos é
logo descartada. Herman Riddebos nota
que, segundo Bultmann, Jesus “não foi concebido pelo Espírito Santo, nem nasceu
da virgem Maria. Sofreu sob Pôncio Pilatos e foi crucificado, mas não desceu ao
hades, não ressuscitou dos mortos e nem subiu aos céus. Também não está
assentado à direita de Deus Pai e não voltará para julgar os vivos e os
mortos”. Segundo Bultmann, ressurreição, inferno e nascimento virginal são
palavras desprovidas de significado real, não sendo literais. São dogmas
mitológicos e não expressam nenhuma realidade objetiva. O mesmo ocorre com a
trindade, com a expiação vicária e com a obra do Espírito Santo.
O cristianismo primitivo está marcado
pelo impacto da pessoa e da obra de Cristo. Não existe outra justificativa
capaz de explicar o nascimento da igreja e da sua teologia, porém Bultmann
reduz sua influência à zero. Ele preconceituosamente assume uma postura
anti-sobrenaturalista e presume, com base em seus conceitos tendenciosos e sem
nenhuma evidência plausível, que todos os relatos confiáveis acerca de Jesus
ficaram suprimidos ou destruídos no breve período que transcorreu entre sua
vida terrenal e o início da pregação evangélica. Seu ceticismo é insustentável.
Será que 50 dias é tempo suficiente para que os discípulos viessem a esquecer
tudo o que ouviram e viram?
Não foi só Heidgger que influenciou a
teologia de Bultmann. As idéias de David Hume, o cético escocês, haviam
influenciado o mundo e seu legado se estendia à época de Bultmann. É
injustificável a negação de Bultamann dos relatos sobrenaturais e a classificação
arbitrária desses relatos como sendo essencialmente mitológicos. Também podemos
perceber várias pressuposições do liberalismo clássico na obra de Bultmann,
razão pela qual tanto o seu método crítico como sua teologia da
desmitologização ganharam o apelido de neo-liberalismo. Bultmann é totalmente
incoerente ao basear suas idéias nas Escrituras, pois o que ele chama de mito,
a Bíblia chama fato. Seuantropocentrismo pode estar bem de acordo com a
filosofia existencialista, mas é totalmente oposto ao caráter teocêntrico do
Novo Testamento.
O desvendamento das Escrituras pela
desmitologização é herético. Ao contrário do que Bultmann pretende, não é a
desmitologização que desvendará de modo compreensível as Escrituras para o
homem moderno, e sim o Espírito Santo. Somente ele, segundo a Bíblia, é que
pode dissipar as trevas da incredulidade levando o pecador a ver o Evangelho.
Com seu método interpretativo, Bultmann
nos desafia a compreender o homem moderno, quando pregamos a ele. Esse enfoque
é digno e necessário, mas não é “desmitologizando” o Evangelho e
interpretando-o existencialmente que nós solucionaremos os problemas da
humanidade. Ao apresentar a mensagem cristã ao homem moderno, devemos ter em
mente que por mais moderno que ele seja, ele ainda é homem natural, e portanto
“não pode compreender as coisas que são do Espírito de Deus, porque lhe parece
loucura” (1 Coríntios 2.14). Creio que esse versículo, mais que qualquer outro,
pode ser aplicado ao método interpretativo de Rudolf Bultmann.
CRÍTICA DA FORMA: O MÉTODO
INVESTIGATIVO DE RUDOLF BULTMANN
No mesmo ano em que Karl Barth publicou
seu comentário aos Romanos, apareceram mais dois livros acerca de temas
neotestamentários que anunciavam uma nova mudança nos estudos críticos. O livro
Die Formgeschichte des Erxrngeliums, de Martin Dibelius (1883-1947), foi o
responsável por popularizar o jargão teológico crítica formal. Outro livro, Der
Ráhmen der Geschichte Jesus (1919), de Karl L. Schimidt, pretendia ser o golpe
de misericórdia dos liberais contra a confiabilidade do Evangelho de Marcos.
Porém, mais que a estes dois nomes, a coluna vertebral dessa nova mudança
estaria associada a um outro nome: Rudolf Bultmann. O livro de Bultmann que
revolucionou a história dos estudos da Bíblia foi History of the Synoptic
Tradition (História da tradição dos Sinóticos), escrito em 1921. A influência
de Bultmann no campo da crítica sobrepujou a de Dibelius.
O método crítico de Bultmann é de fato,
importante. Até mesmo os seus críticos, tais como Oscar Cullmann e Joachim
Jeremias, ao refutar as conclusões de Bultmann, usam uma adaptação do seu
método crítico. Aos poucos, Inglaterra e Estados Unidos, bem como outros países
com tradição no estudo da teologia, ainda que receosos quanto à nova matéria
que estava associada principalmente ao nome de Bultmann, acolheram vários
pressupostos da crítica formal.
5.1- O método investigativo da crítica
formal.
O labor do crítico formal é mostrar que
a mensagem de Jesus, tal como temos nos sinóticos, é em grande parte espúria,
tendo sofrido acréscimos por parte da comunidade cristã primitiva. Com respeito
à confiabilidade da Bíblia, Bultmann vai mais além, e afirma que a Bíblia não é
a Palavra inspirada de Deus em nenhum sentido objetivo. Para ele, a Bíblia é o
produto de antigas influências históricas e religiosas, e deve ser avaliada
como qualquer outra obra literária religiosa antiga.
A premissa fundamental da crítica
formal é que os evangelhos são o produto do labor da igreja primitiva. Os
autores dos evangelhos procuraram unir várias tradições orais independentes e
contraditórias que existiam na igreja antes que fosse escrito o Novo
Testamento. Essas tradições orais também não são dignas de confiança,
consistindo basicamente de ditos e relatos individuais referentes a Jesus e aos
seus discípulos. A igreja ajuntou essas tradições e usou em forma de narrativa,
inventando lugares, tempos e enlaces para unir as tradições independentes.
Frases como as dos Evangelhos, “em um barco”, “imediatamente”, “no dia
seguinte”, “em uma viagem” – são apenas meros recursos literários usados pelos
compiladores dos Evangelhos para unir todas as narrativas, inclusive histórias
independentes acerca de Jesus. Como disse K.L. Shimidt, um dos pioneiros no
campo da crítica, nós “não possuímos a história de Jesus, temos apenas
histórias sobre Jesus”.
O propósito da crítica formal é
encontrar o Evangelho por detrás dos Evangelhos. Segundo os seus proponentes,
os quatro Evangelhos que dispomos servem apenas como “matéria prima” na nossa
busca pelo verdadeiro Evangelho, que teria sido anterior aos quatro Evangelhos
canônicos e diferente dos mesmos, partindo da premissa de que a igreja
primitiva compilou, editou e organizou os livros canônicos de forma artificial,
de acordo com seus próprios propósitos apologéticos e evangelísticos. Para dar
aos Evangelhos um detalhe harmônico, teriam sido acrescentados detalhes quanto
à seqüência, cronologia, lugares, etc. Segundo a crítica formal, tais detalhes
não são confiáveis. A Bíblia, tal como a temos hoje seria apenas uma compilação
de lendas e ensinos isolados que foram ardilosamente inseridos como sendo parte
da história original. Milagres, histórias controvertidas e profecias cumpridas
seriam nada mais que uma tradição proveniente de uma fonte tardia e menos
confiável.
Por fim, o resultado dessa metodologia
é essencialmente anti-sobrenaturalista. Para Bultmann, o que temos nos
Evangelhos canônicos são apenas resíduos do Jesus histórico. Não há dúvida que
Jesus viveu e realizou muitas das obras que lhe são atribuídas, mas ele se
mostra extremamente cético, principalmente quanto à possibilidade do
sobrenatural e do chamado “Jesus histórico”. Ele disse: “Creio que não podemos
saber quase nada acerca da vida e personalidade de Jesus, já que as fontes
cristãs primitivas não se interessam por isso, sendo fragmentadas e lendárias,
e não existem outras fontes acerca de Jesus”. É claro que o comentário de
Bultmann é preconceituoso e tendencialista, pois há menção da pessoa de Cristo
nos escritos dos Pais apostólicos, Flávio Josefo e Tácito, entre outros.
5.2- Consenso com os cristãos
ortodoxos.
Os cristãos ortodoxos aceitam, de forma
quase consensual, alguns dos pontos sustentados pela neo-ortodoxia, e até mesmo
com alguns pressupostos de Bultmann.
A crítica formal nos lembra que o evangelho
se conservou oralmente durante pelo menos uma geração, antes de adquirir a
forma escrita do Novo Testamento. Ela também nos recorda que os Evangelhos não
são relatos neutros ou imparciais, sendo antes disso um testemunho da fé dos
crentes. Além disso, por maiores que foram os esforços de Bultmann, ele não
conseguiu demonstrar objetivamente o Jesus “não-sobrenatural”. Todos os
documentos do Novo Testamento, não importa a forma em que a crítica formal os
selecione, continuam refletindo o Jesus sobrenatural, filho de Deus.
A crítica formal também nos recorda o
caráter ocasional dos Evangelhos. Cada um deles foi escrito com uma idéia, em
uma ocasião histórica específica, como por exemplo, Mateus para os judeus, e
Marcos e Lucas para os gentios. Como tais, expressam em primeiro lugar uma
preocupação vital com a problemática da época. E por último, a crítica formal
nos lembra que os Evangelhos não se interessavam grandemente por detalhes
geográficos e cronológicos, como a comunidade cristã ortodoxa havia pensado e
praticado anteriormente.
5.3- Objeções ao método crítico de
Rudolf Bultmann.
É claro que esses pontos consensuais
são superficiais. Assim como a teologia dialética de Barth, o método crítico de
Rudolf Bultmann é demasiadamente injusto com a natureza do Novo Testamento. Há
várias objeções que se pode fazer ao criticismo de Bultmann, dentre as quais
destacaremos cinco, por considerá-las principais.
A primeira delas está relacionada com a
história. Não há embasamento sólido para a teoria da inconfiabilidade histórica
dos Evangelhos. Os críticos da tradição de Bultmann argumentam que, por se
tratar de uma crônica de contínuos sucessos, eles não podem ser um esquema
historicamente confiável sobre a vida de Cristo. O que eles não levam em conta
é que dentro dos limites de um esquema histórico amplo, cada evangelista
distribuiu seu material histórico de acordo com seus propósitos. Eles também
ignoram que o Novo Testamento, a pesar dos muitos sucessos, narra também alguns
fatos embaraçosos, como a ausência de sinais de Cristo em sua terra natal
(Mateus 13.54-58) e a sua agonia no Getsêmani. Além disso, a crítica de
Bultmann é exagerada porque exige dos escritores dos Evangelhos algo que eles
não quiseram fazer. Eles eram testemunhas oculares, mas não eram historiadores
treinados. Porém, apesar disso, várias vezes eles se mostram cautelosos com os
dados históricos, como no prólogo de Lucas (Lucas 1.1-4).
A crítica formal também é injusta com
os escritores dos relatos evangélicos. Eles reduzem Mateus, Marcos e Lucas a
meros compiladores de documentos, e os Evangelhos a relatos contraditórios.
Isso tudo viola injustamente a unidade do relato evangélico. Os Evangelhos
possuem uma unidade básica de testemunhos confiáveis de Cristo, e ainda nos
apresentam marcos diferentes da vida de Jesus. Na verdade, cada Evangelho é um
marco histórico de certos aspectos da vida de Cristo, mas a crítica formal não
reconhece a diversidade de transmissão oral dentro da unidade dos relatos
evangélicos.
O método crítico de Bultmann separa o
cristianismo de Cristo. A grande premissa deste método de estudo é que a
comunidade cristã, e não Cristo, exerceu o papel mais importante na produção
dos Evangelhos. A verdade, porém, é que a mensagem neotestamentária está
centrada na pessoa de Cristo e no que ele fez (2Coríntios 4.5), e não na
comunidade cristã. A igreja a qual Paulo e seus companheiros testemunharam não
foi criadora (2Coríntios 4.1-2), mas apenas receptora da verdade. Sua maior
responsabilidade não foi a criação de novas tradições, e sim a preservação e
proclamação das antigas tradições.
Segundo a crítica formal, o
cristianismo dos apóstolos não passava de versões falhas sobre Cristo e sua
mensagem. Diferente do que dizem estes críticos, os apóstolos eram uma fonte
autorizada de informação com respeito dos atos e doutrinas de Cristo. Em Atos
4.1.21-22, está claro que os apóstolos exerciam um controle estratégico da
mensagem oficial da igreja durante os anos de transmissão oral. Sua presença
tinha como finalidade impedir que surgissem versões deturpadas do Evangelho, e
não criar uma versão mitológica e deturpada do Evangelho.
A crítica formal parece esquecer que o
lapso de tempo entre os fatos históricos e os documentos escritos é mínimo.
Quando Bultmann e outros críticos da Bíblia dizem que a narrativa evangélica
está repleta de fábulas que se acumularam durante o período entre a tradição
oral e a palavra escrita, eles esquecem que o intervalo entre os fatos
acontecidos e o registro desses fatos é muito pequeno. O primeiro relato documental
foi feito por Marcos e as evidências demonstram que ele foi escrito cerca de
vinte e cinco anos após os eventos por ele narrados. O problema em dizer que o
NT está repleto de material lendário é que vinte e cinco anos é muito pouco
tempo para se formar uma lenda. Quando as primeiras versões evangélicas
começaram a circular, muitas das testemunhas oculares estavam vivas e poderiam
facilmente desmascarar os escritores, caso estes fossem impostores e estivessem
inserindo mitos na narrativa. O que ocorre, porém, é justamente o contrário: os
Evangelhos foram recebidos com muita alegria e divulgados pelas igrejas.
De tudo isso, segue-se
irrefragavelmente que a crítica da Bíblia tal como aparece em Rudolf Bultmann,
é uma analise preconceituosa do relato evangélico, está demasiadamente
comprometida com os pressupostos do liberalismo para que possa ser considerada
uma analise imparcial dos fatos, como os críticos desejam que seja. Mas a
crítica formal não foi a única contribuição de Bultmann à teologia contemporânea.
Outras idéias dele também permearam o cenário teológico do século vinte, entre
as quais está a desmitologização, assunto que abordaremos com maior amplitude
no próximo capítulo.
NEO-ORTODOXIA: ANALISANDO OS
PRESSUPOSTOS TEOLÓGICOS DO NOVO LIBERALISMO
Karl Barth havia desencadeado uma
tremenda revolução com seu comentário aos Romanos, e nos anos que se seguiram,
a revolução se ampliou consideravelmente, se avolumando sob a égide de um novo
movimento teológico denominado “neo-ortodoxia”. Emil Brunner talvez tenha sido
um dos nomes mais conhecidos dessa nova escola, depois, é claro, de Barth.
Brunner foi um teólogo suíço residente
nos Estados Unidos que também teve participação importante no desenvolvimento
da teologia neo-ortodoxa. Nascido em 1889, estudou em Zurich, Berlim e também
no Union Theological Seminary, em Nova Iorque. Tornou-se professor de teologia
em Zurich em 1924, e em 1953 deixou a Suíça para tornar-se professor na Universidade
Cristã do Japão.
Desde os primeiros anos do comentário
aos Romanos, a neo-ortodoxia – às vezes chamada de barthianismo – cruzou muitas
fronteiras, tendo exercido influência no oriente. No Japão, por exemplo, apesar
da influencia de Brunner, foi Barth quem foi apelidado de “o papa teológico”.
Enquanto nos Estados Unidos ele era recebido como um dos mais importantes
teólogos, no Japão ele era conhecido como o único teólogo. Essa influência de
Barth no Japão, deve-se principalmente aos escritos de Tokutaro Takahura, por
volta de 1925. Na verdade, o mundo inteiro sentiu o abalo da teologia
barthiana, tanto que ao final da década de cinqüenta, as três principais
correntes teológicas já eram mencionadas como sendo a conservadora ou ortodoxa,
liberal e neo-ortodoxa.
Temos que reconhecer que existe muita
rivalidade no movimento. A ferrenha diferença de opiniões entre Barth e Brunner
quanto à realidade do nascimento virginal e da revelação geral, as criticas de
Barth à Bultmann e as críticas que Bultmann devolveu à Barth, a discordância de
Pannenberg acerca do conceito barthiano de história, são indicativos de que as
vozes dentro do movimento neo-ortodoxo nem sempre foram unânimes. Emil Brunner
aceita a revelação geral, e a mesma é negada por Barth. Barth aceita o
nascimento virginal, conceito que é negado por Brunner. Ele foi duramente
criticado por Barth por afirmar que a imagem de Deus se encontra ainda no homem
pecador e que Deus se revela na natureza, mas se defendeu argumentando que se o
homem pecador não é mais a imagem de Deus e se não há nenhuma revelação de Deus
na natureza, então o homem não pode ser responsabilizado pelo pecado que
comete.
A teologia de Brunner, assim como a de
Barth, é extremamente subjetiva. Buscando inspiração nos escritos dos filósofos
Martin Bubber e Soren Kierkgaard, ele define o cristianismo e a teologia em
termos mais relacionais que racionais. Ele argumenta que Deus não pode ser
tratado como um objeto de estudo, ou um “isso”, mas devemos nos relacionar com
ele apenas como um “Tu”. Essa insistência em que Deus é sempre sujeito e nunca
objeto será um tema bastante recorrente na teologia contemporânea.
Em um capítulo anterior, indicamos
alguns dos pressupostos, bem como a metodologia da estrutura teológica
neo-ortodoxa. Agora, cabe a nós destacarmos os temas comuns. O esboço que
demonstraremos a seguir está baseado principalmente na obra Dogmática da
Igreja, de Barth.
4.1- O tema mais debatido pela
neo-ortodoxia é o conceito de revelação.
A revelação, segundo Barth, é uma perpendicular
que vem de cima, e que por isso não pode se comparar com as melhores intuições
humanas. A revelação é um evento no qual Deus toma a iniciativa. Também é dito
que a revelação não pode comparar-se com a Bíblia, pois é superior a ela. A
Bíblia e suas afirmações são testemunhas, são sinais indicadores da revelação,
mas não é a revelação em si. A Escritura não é a Palavra de Deus, e nem as
afirmações da Escritura são revelação. Segundo Barth, comparar a Bíblia com a
Palavra de Deus é objetivar e materializar a revelação.
Nesse mesmo terreno, Brunner definiu a
revelação como sendo uma ocasião de diálogo em que Deus se encontra com o
homem. Não se pode dizer que a revelação tenha acontecido, à não ser que ambos
os participantes do encontro – a saber, Deus e o homem – se encontrem.
4.2- O coração da revelação da Palavra
de Deus, segundo a perspectiva neo-ortodoxa, é Jesus Cristo.
De fato, Barth insiste tanto nessa
idéia que chega ao ponto de negar a existência de qualquer outra revelação, à
parte de Cristo. Para ele, a história da revelação e a história da salvação vêm
a ser a mesma coisa. No Cristo de Barth, Deus revelou que não queria deixar o
homem existir em pecado. Por isso, Barth insiste em que nunca deveríamos
mencionar o pecado, a não ser que agreguemos imediatamente que o pecado foi
derrotado, esquecido e vencido por Jesus. A reconciliação entre Deus e o homem
se efetua por meio de Cristo. Jesus Cristo é o próprio Deus, isto é, é Deus que
se humilha a si mesmo. Em sua liberdade, Deus cruza o abismo aberto e mostra
que ele é verdadeiramente Senhor.
Na encarnação, Deus se humilha a si
mesmo. Barth não quer admitir a
humilhação do homem Jesus. Segundo ele, dizer que a humilhação se refere ao
homem é uma mera tautologia. Que sentido haveria em falar de um homem
humilhado? A humilhação é algo natural no homem. Porém, dizer que Deus se
humilhou a si mesmo, segundo Barth, é entender o verdadeiro significado de
Jesus Cristo como Deus. Ele é o Deus que se humilha, que se revela, e é também
a própria essência da revelação.
4.3- Barth afirma que Cristo, embora
haja se humilhado como Deus, foi exaltado como homem.
Ele se nega a admitir a idéia
tradicional dos dois estados de Cristo, humilhação e exaltação, referindo-se à
totalidade do Deus-homem em ordem cronológica. Para Barth, Deus se humilhou a
si mesmo e o homem (a humanidade de Jesus) foi exaltada. Dizer que o estado de
exaltação se refere a Deus também é mera tautologia. Que sentido haveria em
falar em um Deus exaltado? A exaltação é
algo natural em Deus. Segundo Barth, “em Cristo, a humanidade é humanidade
exaltada, assim como a divindade é divindade humilhada. E a humanidade é
exaltada com a humilhação da Divindade”.
4.4- A doutrina de Barth traz implícito
o universalismo.
Outro problema bastante polêmico dentro
da neo-ortodoxia é a ambigüidade de seus proponentes no que concerne à
possibilidade de salvação universal. Barth desde o início repudiou o conceito
supralapsariano – que é a dupla predestinação – afirmando que a eleição não diz
respeito a pessoas, e sim à Cristo. Ele afirma que a tarefa da igreja é
proclamar que os homens já foram eleitos em Cristo, e que portanto, devem viver
como escolhidos. Para Barth, a eleição não é um estado que adquirimos em
Cristo, e sim uma vida de ação e serviço a Deus.
Esse conceito barthiano implica em
universalismo? Barth não afirmou, mas também jamais negou essa hipótese. Em uma
de suas últimas conferências sobre a humanidade de Deus, ele disse que “não
temos o direito teológico de estabelecer quaisquer limites à misericórdia de
Deus que se manifesta em Jesus Cristo”.
4.5- Objeções à neo-ortodoxia.
Como se pode observar, muitos
pressupostos da neo-ortodoxia são resultantes da influência do liberalismo, o
que torna algumas de suas propostas inaceitáveis para os teólogos ortodoxos. Há
ainda muita polêmica dentro da neo-ortodoxia, não sendo difícil levantar
objeções a essa corrente teológica. O que apresentamos a seguir são algumas
objeções mais freqüentes que são levantadas contra a neo-ortodoxia.
Primeiramente, a neo-ortodoxia coloca a
experiência subjetiva acima da revelação objetiva. Para a neo-ortodoxia, a
revelação não é simplesmente uma declaração de Deus ao homem, e sim um encontro
divino-humano, uma confrontação e um diálogo existencial. De acordo com essa
premissa, a Bíblia não pode ser a Palavra de Deus. Ela se transforma em Palavra
de Deus à medida que Deus fala conosco por meio dela. Reconhece-se nessa
premissa a dívida que a neo-ortodoxia tem com a escola de filosofia
existencialista.
A neo-ortodoxia conserva a linguagem
teológica ortodoxa, porém a reinterpreta, e muitas vezes o resultado desta
reinterpretação é tão nocivo quanto veneno no leite. As doutrinas do pecado
original, da queda de Adão, da redenção, da ressurreição e da segunda vinda de
Cristo são chamadas de mitos por Brunner e de saga por Barth. A interpretação
que a neo-ortodoxia dá a essas passagens é acima de tudo existencial, quase
nunca literal, sob alegação de que essas doutrinas não descrevem eventos na
história, e sim condições históricas sob as quais todos os homens vivem.
Gênesis 3, por exemplo, não deve ser tomado como história literal, sendo apenas
uma forma simbólica de explicar a realidade do pecado e do orgulho na vida
humana. Esse conceito de teologia não deixa nenhuma porta pela qual possa
entrar a pregação da vinda do Filho de Deus como evento a ocorrer na história,
por exemplo.
A insistência de Barth em Jesus Cristo
como o coração da revelação é tão forte que o leva a negar a existência de
qualquer outra revelação de Deus. Essa idéia é contrária a Bíblia, pois esta
afirma que Deus se revela através da sua criação (Atos 14.17 e Romanos
1.19-20). O conceito barthiano e neo-ortodoxo de revelação também é contrário à
doutrina bíblica da inspiração, e acaba por destruir o caráter bíblico de
revelação canônica.
Alguns acusam Barth de fazer uma
interpretação dualista da encarnação de Cristo, pois ele parece fazer distinção
entre as duas naturezas, repudiando por completo o credo da Calcedônia. Ora,
Cristo não nos salvou apenas por meio da sua divindade, mas também por meio da
sua humanidade. Nós temos paz por meio do sangue da cruz (Colossenses 1.20,
Efésios 2.16) e não há nada mais humano que o sangue de uma pessoa.
Ainda que Barth diz que nem afirma e
nem nega a teoria da salvação universal, sua idéia de “eleição universal em
Cristo” parece uma espécie de neo-universalismo. Além disso, seu repúdio pelas
descrições do céu e do inferno parecem um conceito de salvação bem diferente do
que é apresentado nas Escrituras. O resultado dessa postura “neo-universalista”
é a destruição da gravidade da incredulidade, e deste modo a neo-ortodoxia
destrói as advertências bíblicas contra a apostasia, bem como o chamado ao
arrependimento e à fé.
Por várias razões, muitos teólogos têm
entendido mal a neo-ortodoxia. Essa corrente teológica pretende, entre outras
coisas, ser um retorno ao ensino dos reformadores. A razão de ser da
neo-ortodoxia é atacar o otimismo do liberalismo clássico e as corrupções da
teologia católica romana. É sua intenção por em evidência a centralidade
absoluta da pessoa de Cristo, a transcendência de Deus e a necessidade de
revelação. Naturalmente, todos esses pontos básicos estão em harmonia com o
conceito evangélico. Apesar disso, como se pode observar, a neo-ortodoxia se
separa da fé cristã histórica não somente em algumas esferas pouco relevantes,
mas também em seus conceitos básicos. Recomendamos as obras de Barth, Bultmann
e Brunner – bem como de outros teólogos neo-ortodoxos – por sua influência e
contribuição para o cenário teológico contemporâneo, mas a apreciação dessas
obras deve ser feita com cautela e com espírito crítico.
A TEOLOGIA DIALÉTICA DE KARL BARTH E A
REVOLTA CONTRA O LIBERALISMO TEOLÓGICO
Tendo já comentado a influencia da
filosofia kantiana para a teologia do século vinte, passemos agora a discorrer
sobre a teologia contemporânea em si.
Em 1919, um jovem pastor de uma
pequenina igreja da Suíça escreveu um comentário tão radical que certo escritor
disse que Karl Barth pegou uma carta escrita em grego do primeiro século e
transformou em uma carta urgente para o homem do século vinte. Um teólogo católico
disse que esse comentário aos Romanos foi uma revolução copernicana na teologia
protestante que acabou com o predomínio do liberalismo teológico. Ele foi, de
fato, uma bomba que Barth lançou no cenário teológico contemporâneo.
Diz-se da segunda versão do comentário
aos Romanos, totalmente revisada e publicada em 1921, que ela foi ainda mais
revolucionária que a primeira. Porém, de qualquer forma, 1919 tem sido para
muitos o ponto de partida da teologia contemporânea.
A influência da obra de Karl Barth
nessa nova era da teologia é enorme. Ele transformou a teologia do século vinte
emteologia da crise. Foi ele quem dominou o ambiente teológico, formulou os
problemas e apresentou as hipóteses de maior relevância, e desde então tem
estado no centro da teologia moderna. Não há nenhuma dúvida de que o pensamento
de Barth dominou o pensamento teológico do seu tempo. Ele produziu um impacto
tão grande na teologia protestante, que todo teólogo do nosso século que quiser
estudar teologia a sério, pode se opor à sua teologia ou acolher suas idéias,
mas não pode jamais ignorá-la se quiser conhecer a situação teológica
contemporânea.
O que havia nesse comentário do pastor
Barth que sacudiu os alicerces teológicos do século vinte? Quais foram os
princípios que Barth apresentou e que se converteram no legado de uma nova era
teológica? Harvie M. Conn, aluno do Dr. Cornelius Van Til, esboça alguns
princípios que emanam do comentário de Karl Barth aos Romanos e que parecem ter
desempenhado o papel mais influente na formação das novas variantes teológicas.
Esses princípios serão abordados nos tópicos a seguir.
3.1- A revolta teológica contra o
liberalismo teológico foi uma das mais notórias características da teologia
barthiana.
Barth havia aprendido teologia aos pés
de dois grandes teólogos liberais, à saber: Harnack e Herrmann. O Jesus do
mentor de Barth, Harnack, não era o filho de Deus único e sobrenatural, mas a
encarnação do amor e dos ideais humanistas. A Bíblia do mentor de Barth,
Herrman, não era a Palavra infalível de Deus, e sim um livro extraordinário,
ainda que ordinário, cheio de erros e que exigia uma crítica radical para
encontrar a verdade. A medida de toda a verdade era a experiência, o
sentimento. A teologia desses dois mestres e também a de Barth era o Idealismo
teológico, caracterizado por uma profunda veia de pietismo e de preocupação
pela prática da experiência religiosa cristã. Em 1919, e com muito mais força
em 1921, Barth se encarregou de repudiar grande parte desse liberalismo
clássico.
A primeira guerra mundial e seus
horrores acabaram por soterrar o idealismo teológico liberal. A culta Alemanha,
a liberal Inglaterra e a civilizada França lutavam como animais ferozes. Nesse
ínterim, os mestres liberais de Barth se uniram com outros teólogos para declarar
seu apoio à Alemanha, o que demonstrou que eles eram mestres de uma religião
atada a uma cultura, e não a Deus. O comentário de Barth aos Romanos surgiu
então como repúdio de seus antigos mestres liberais. O liberalismo fazia de
Deus algo imanente ao mundo; Barth se opôs a isso e apresentou Deus como
“Totalmente Outro”. O subjetivismo do liberalismo do século 19 havia colocado o
homem no lugar de Deus; Barth exclamou: “Seja Deus, e não o homem!”. O
liberalismo havia exaltado o uso aculturado da religião; Bart condenou a
religião como o pecado máximo. O liberalismo edificou a teologia sobre a base
da ética, Barth quis edificar a ética sobre a base da teologia.
3.2- O comentário de 1921 de Barth
propôs uma nova idéia de revelação.
Em oposição ao antigo liberalismo,
Barth enfatizou a necessidade que o homem tem da revelação, e chamou suas
idéias de Teologia da Palavra de Deus. Barth, porém, insistiu na distinção
entre a Bíblia e a Palavra de Deus. Este era seu legado kantiano.
Segundo Barth, pode-se ler a Bíblia sem
ouvir a Palavra de Deus. A Bíblia é simplesmente um livro, mas, pelo menos, um
livro através do qual nos pode chegar a Palavra de Deus. A relação entre Deus e
a Bíblia é real, porém indireta. A Bíblia, diz Barth, “é a Palavra de Deus
enquanto Deus fala por meio dela [...] a Bíblia se transforma em palavra de
Deus nesse momento”. Para ele, até que a
Bíblia se torne real para nós, até que ela nos fale da nossa situação
existencial, ela não é Palavra de Deus. Esse é o conceito barthiano de revelação.
3.3- A dialética de Barth, ou teologia
do paradoxo.
O comentário de Barth também introduziu
um novo método para explicar a teologia, a dialética. Esse termo ficou
rapidamente associado à obra de Barth, ainda que o método tenha sido tomado por
empréstimo do teólogo existencialista Soren Kierkgaard. Kierkgaard havia dito
que toda afirmação teológica era paradoxal, não podendo ser sintetizada. O
homem devia somente conservar ambos os elementos do paradoxo. É esse ato de
sustentação do paradoxo que Kierkgaard chama de “salto de fé”.
Tal conceito influenciou muito a
teologia barthiana, de maneira que quando preparava o comentário aos Romanos,
Barth afirmava que “enquanto estamos na terra, não podemos fazer outra coisa em
teologia a não ser utilizar o método de afirmação e contra-afirmação. Não nos
atrevemos a pronunciar em forma absoluta a palavra definitiva [...] O paradoxo
não é acidental na teologia cristã. Ele pertence, em certo sentido, ao coração
do pensamento doutrinário”. A própria natureza da revelação, segundo Barth, é
um paradoxo: Deus é o oculto que se revela; conhecemos a Deus e conhecemos o
pecado; todo homem é escolhido e também reprovado em Cristo; o homem é
justificado por Cristo, mas ainda é pecador. Certo comentarista observou que,
segundo a teologia dialética de Barth, a revelação que vem de cima para o
homem, ao encontrar a contradição do pecado e finitude humana, só pode ser
assimilada pela mente humana como sendo um paradoxo.
3.4- O comentário de Barth veio
reafirmar a transcendência absoluta de Deus.
Um dos pressupostos de Barth, que
também é um legado kantiano, é que Deus é sempre sujeito, nunca objeto. Deus
não é simplesmente uma unidade no mundo dos fenômenos; ele é infinito e
soberano, “Totalmente Outro”, e só pode ser conhecido quando nos fala. “Ele não
pode ser explicado como qualquer outro objeto pode ser, apenas podemos nos
dirigir a Ele [...] Por esta razão, não cabe à teologia medí-lo em uma forma de
pensamento direto ou unilinear”. Não podemos falar a respeito de Deus. Apenas
falamos a Deus. Segundo Barth, a própria natureza de Deus exige que as
afirmações que lhe dirigimos sejam revestidas de contradição: “Não podemos
considerá-lo perto, a não ser que o consideremos longe”.
Sem dúvida o grande tema de Barth, em
oposição declarada ao liberalismo, foi a “infinita diferença qualitativa” entre
eternidade e tempo, céu e terra, Deus e o homem. Não se pode identificar Deus
com nada no mundo, nem sequer com as palavras da Escritura. Deus chega ao homem
como a tangente que toca o círculo, mas na realidade não o toca. Deus fala ao
homem como a bomba explode na terra. Depois da explosão, tudo o que resta é uma
cratera abrasada no terreno, e essa cratera é a igreja.
3.5- O comentário de Barth também
demarcou a fronteira entre a história e a teologia.
A teologia do século dezenove se
dedicou a procurar o Jesus histórico por detrás do Cristo sobrenatural da
Bíblia. Os liberais clássicos como o professor de Barth, Harnack, se dedicaram
a buscar nos evangelhos – os quais eles condenavam como não-confiáveis – os
fatos históricos sobre Jesus. Barth asseverou que essa busca é um a busca sem
importância, pois, segundo ele, a revelação não entra na história, apenas a
toca como uma tangente toca um círculo. Segundo Barth, não há nada na história
sobre o que possamos basear a fé. A fé é um vazio preenchido não pela história,
mas pela revelação.
Profundamente influenciado pelos
conceitos de história de Kierkgaard e de Franz Overbeck, Barth dividiu a
história em dois níveis: Historie e Geschichte. Ainda que ambos os termos
possam ser traduzidos por história, no alemão, a conotação que essas duas
palavras têm é bem diferente. Historie é a totalidade dos fatos históricos do
passado, podendo ser comprovada objetivamente. Geschichte se ocupa daquilo que
une essencialmente, que exige algo de mim e requer meu compromisso. Segundo
Barth, a ressurreição de Jesus pertence ao âmbito de Geschichte, não
deHistorie. Para ele, o âmbito da Historie de nada vale para o crente. Jesus
deve ser confrontado no âmbito deGeschichte.
Mais uma vez a influência do pensamento
de Immanuel Kant sobre a teologia de Karl Barth, principalmente no que concerne
ao mundo dos fenômenos e dos números é muito grande, podendo-se até dizer que a
teologia contemporânea tem sua raiz em Konigsberg, na Prússia. Ao longo do
desenvolvimento da teologia contemporânea, as idéias kantianas de fenomenal e
numenal “volta e meia” reaparecem com uma nova roupagem. Alguns tomam o tema e
o ampliam, porém sua influência continua sendo grande a ponto de podermos
designar o século dezoito e o pensamento de Kant como protótipo da teologia
contemporânea.
3.6- Objeções à teologia dialética de
Karl Barth
.
Há, sem dúvida, algumas críticas que se
pode fazer à obra de Barth. Ele mesmo reconheceu alguns de seus excessos e
poliu boa parte dos argumentos que enfatizou a princípio, e até certo ponto,
pode-se dizer que ele suavizou algumas idéias mais incisivas. O que passo a
expor agora, são algumas críticas que se podem fazer ao pensamento de Barth.
Em primeiro lugar, ainda que as idéias
de Barth representem uma revolta contra o liberalismo clássico, suas idéias
podem ser chamadas de novo liberalismo. Barth não conseguiu se livrar do ponto
de vista crítico liberal das Escrituras. Por causa dos seus pressupostos
liberais, Barth não aceita a inerrância da Bíblia, chegando mesmo a afirmar que
toda a Bíblia é um documento humano falível e que buscar partes infalíveis nas
Escrituras é “simples capricho pessoal e desobediência”. A inerrância das
escrituras é uma das diferenças cruciais entre o liberalismo e o cristianismo
ortodoxo, e o posicionamento de Barth nada mais é que uma opção por ficar em
cima do muro.
Sua idéia de revelação, em última
instancia, é puramente subjetiva. Para Barth, a diferença entre a Bíblia como
meramente um livro e a Bíblia como a Palavra de Deus depende exclusivamente da
reação humana frente a este livro. Embora em uma atitude de revolta contra o
liberalismo ele tenha exclamado: “Seja Deus e não o homem”, na prática, dentro
da sua teologia dialética, o homem é entronizado no centro da experiência
religiosa.
O resultado final da dialética de Barth
é a destruição da verdade objetiva. Se toda comunicação histórica e toda
experiência direta com Deus se encaixa em uma concepção pagã de Deus, como
poderemos aproximar-nos da verdade sobre Deus? Também a sua insistência em
descrever Deus como “Totalmente Outro” faz de Deus um ser indescritível. Como
Deus não é um objeto no tempo e no espaço, e visto que a “inescrutabilidade e
recondidez formam parte da natureza de Deus”, o homem não pode conhecê-lo
diretamente, afirma ele. A questão é: se Deus é assim tão indescritível e
insondável, de que maneira o homem pode conhecê-lo?
A separação que Barth faz da Historie e
da Geschichte, traz à tona a problemática concernente à historicidade da obra
redentora de Cristo como fundamento do cristianismo. Ela argumenta na tradição
de Nietzche e Overbeck, separando o cristianismo da história, e ao fazê-lo,
acaba por solapar a base do cristianismo. É claro que o propósito de Barth foi
tirar do liberalismo o monopólio quanto ao método de interpretação, mas ao
fazê-lo, também privou o cristianismo do seu lugar na história.
Ao que vemos, embora a teologia de
Barth tenha sido responsável por uma prática religiosa em que os valores
evidenciam a religiosidade do cristão, ele jamais conseguiu se libertar
completamente do liberalismo teológico de seus mestres Herrmann e Harnack. Ele
revoltou-se contra o liberalismo teológico, argumentou contra ele, mas não pode
livrar-se de seus pressupostos. Tal como Kant, Barth confina Deus ao mundo dos
números e apresenta a dialética – a teologia do paradoxo – como sendo à única
teologia possível. Ele exclui a razão a priori e deixa a porta fechada à
percepção humana.
Sua teologia é de suma importância para
o século vinte e, de fato, quase todo o pensamento teológico moderno até a
década de setenta envolverá a perspectiva de Barth. Podemos aceitar seus
pressupostos ou acirrar-nos contra ele, mas nenhum teólogo de nossa época
poderá jamais ignorar a teologia dialética de Karl Barth e sua influência no
cenário teológico contemporâneo.
A INFLUÊNCIA DE IMMANUEL KANT NA
TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA
A revolução teológica do século passado
que ficou conhecida pelo nome de teologia existencialista ou contemporânea, tem
as suas raízes nas idéias do filósofo Immanuel Kant. Embora já tenha sido
mencionado na introdução, esse filósofo merece, sem nenhuma dúvida, um capítulo
à parte. Kant logrou sistematizar a confiança do homem moderno na capacidade da
razão para tratar de tudo o que diz respeito ao mundo material, e sua
incapacidade para ocupar-se de tudo o que está além do nosso mundo. Ao fazer
isso, Kant não se projetou apenas sobre o século dezenove, mas também sobre o
século vinte.
2.1– Um novo conjunto de pressupostos
religiosos para o homem moderno.
O mundo grego havia elaborado algumas
normas religiosas básicas em torno do paradoxo entre a forma e a matéria. Na
idade média, o homem do ocidente havia assimilado algumas dessas idéias,
reorganizando-as em torno do conceito de natureza e graça. De certa forma, a
síntese de Tomás de Aquino era de origem pagã e aristotélica, e privava a graça
de seu caráter puramente cristão, fazendo dela um elemento aperfeiçoador da
superestrutura, ao invés de ser um ato transformador de Deus.
Kant e sua idéia de autonomia fizeram
dessa privação da graça mais que uma simples moldura teológica: pela primeira
vez na história da civilização ocidental, a natureza foi separada da graça de
forma elaborada, conseqüente e consciente. No pensamento do homem moderno, a
graça foi suplantada pela idéia de emancipação; o homem tinha que nascer de
novo como pessoa completamente livre e autônoma, emancipada de qualquer
pensamento preconizado. De acordo com essa nova maneira de pensar, até mesmo o
conceito de natureza – conservado da síntese medieval aquiniana – se
transformou, passando a ser uma esfera micro-cósmica dentro da qual a personalidade
humana podia exercer sua autonomia. A natureza era agora interpretada como um
terreno infinito que o pensamento matemático autônomo devia controlar.
A história do pensamento e da teologia
ocidental desde Kant nos mostra como esses pressupostos religiosos, trabalhando
com idéias tomadas do cristianismo, modelaram uma nova teologia e um novo
mundo.
2.2- A autonomia do homem e sua
influência no pensamento religioso moderno.
A autonomia preconizada por Kant, isto
é, a emancipação de valores exteriores, produziu uma avaliação muito elevada da
capacidade humana, sobretudo da razão humana como autoridade final e como crivo
para a verdade. A razão, e somente a razão, poderia julgar o mundo do fenômeno
e o mundo do número. Para Kant, essa autonomia representava a substituição do
conceito de revelação do cristão – que tem sua expressão máxima em Cristo e na
Bíblia – pela razão autônoma do homem. Em um sentido ulterior, Kant entroniza a
razão como sendo o princípio supremo. A verdadeira religião, na filosofia kantiana,
não consiste em conhecer o que Deus tem feito para a nossa salvação, e sim em
conhecer o que devemos fazer para chegarmos a ser dignos dela. Essa moralidade
religiosa, segundo Kant, pode ser alcançada sem a necessidade de nenhum
aprendizado bíblico.
Não há muita distância entre esse
pensamento de Kant e o pensamento posterior dos teólogos contemporâneos, tal
como em Bultmann e sua idéia de desmitologização, nem está longe da idéia da
razão autônoma como juíza da revelação na análise racional de Pannenberg, que
apresenta os relatos da ressurreição como estando contaminados de lendas, nem
da negativa de Cullmann de considerar os relatos da criação de Gênesis como
história autêntica.
2.3- O relativismo de David Hume e sua
influência na filosofia kantiana.
David Hume, filósofo escocês, havia
lançado dúvida em quanto à possibilidade de alguém provar alguma coisa, tanto
dentro como fora de si mesmo. Causa e efeito, Deus como origem de todas as
coisas, o homem como ser contingente, tudo isso era para ele completamente
evasivo. Segundo ele, não conhecemos a coisa em si, mas apenas aquele
conhecimento que os sentidos nos proporcionam.
Kant tomou emprestado de Hume o
problema do conhecimento proposto por ele e o reformulou, como se isso fosse
pudesse resolver o problema epistemológico. Kant criou dois mundos, à saber, o
mundo dos fenômenos e o mundo dos números, sendo um percebido pela razão e
pelos sentidos, e o outro, o mundo de Deus, da imortalidade, da liberdade e das
idéias reguladoras que a razão não pode explicar, mas que devem ocupar um lugar
na vida como se fossem objetos reais ao alcance da razão.
O efeito de tudo isso foi em parte,
devastador. Kant, ao colocar Deus em um outro mundo, o aprisionou com um muro à
prova de som; seu único vínculo com o mundo dos fenômenos se daria por meio da
necessidade que o homem tem da idéia de Deus para o seu mundo ético. Com isso,
Kant não fechou totalmente a porta do nosso mundo para Deus, mas a diminuiu de
tal forma que o Deus soberano, cujas vestes enchiam o templo (Isaías 6.1), não
pode entrar. Da mesma forma, uma vez que o homem não pode perceber as coisas
como são na realidade – tanto no mundo dos fenômenos como no mundo dos números
– não pode introduzir-se por essa porta para conhecer a Deus. Ele ficou isolado
no mundo dos fenômenos e Deus no mundo numeral.
2.4- O confinamento de Deus na teologia
contemporânea.
Esse confinamento de Deus no mundo dos
números é o tema favorito da teologia contemporânea. Tal confinamento se
reforça com a insistência crescente do existencialismo na liberdade, e
reaparece de forma modificada nos primeiros escritos de Karl Barth acerca de
Deus como “Totalmente Outro”, como “Aquele que não pode ser explicado como se
explica um objeto”. Ele reaparece na divisão neo-ortodoxa entre História e
Geschichte, na diferenciação de Bultmann entre o Jesus histórico e o Cristo
kerigmático, ou, usando uma linguagem kantiana, entre o Jesus fenomenal e o
Cristo numenal. Esse confinamento do mundo espiritual é o fator preponderante
da insistência contemporânea na “humanidade” da Bíblia e da definição barthiana
de revelação como sendo o encontro divino-humano, o numeral que toca o
fenomenal, porém, sem entrar nele. Ele também produz em Moltmann uma teologia
da esperança, completamente cética quanto a qualquer fim escatológico na
história fenomenal, ainda que capaz de falar de um futuro numenal. Nesse
ínterim, quase ninguém se atreve a buscar o Jesus histórico; ele é simplesmente
irrelevante.
2.5- As idéias deístas presentes na
filosofia da emancipação e sua influencia na teologia contemporânea.
O conceito deísta que fez parte do
processo de florescimento da autonomia não dava nenhum lugar à intervenção
divina na criação por meio de algo sobrenatural e revelador. Da mesma forma, a
autonomia do método sobre o texto bíblico estabeleceu certos pressupostos que o
método histórico-crítico ainda mantém, como o abandono da doutrina da
inspiração verbal. Começa-se então a fazer distinção entre a Palavra de Deus e
a Bíblia, e junto com o pressuposto metodológico, ressurge a idéia de que há
erros na Bíblia e que esta deve ser tratada como qualquer conjunto de
documentos do passado.
Essa idéia de humanização da Bíblia
veio a ser uma das características distintivas da crítica bíblica, quer seja em
sua forma mais conservadora (como se encontra em Oscar Cullmann e Wolfhart
Pannenberg), ou em suas expressões mais radicais (como em Paul Tillich, John
Robinson e nos teólogos seculares). Também Barth e Bultmman, apesar de todo o
seu debate interno, seguem unidos no emprego dessa metodologia.
2.6- Uma separação radical entre
história e fé.
A divisão entre história e fé também se
tornou mais tarde um pressuposto da teologia contemporânea. O Jesus histórico
parecia cada vez mais distante do Cristo da fé. Acerca desse impasse, G.E.
Lessing afirmou que “o verdadeiro valor de qualquer religião não depende da
história, senão de sua capacidade de transformar a vida através do amor”. Os
teólogos contemporâneos apresentam repetidas vezes essa dissociação do Jesus
histórico e do Jesus da fé, afirmando que ainda que a história escrita do
cristianismo não se possa aceitar, o ensino de Cristo pode e deve ser aceito. A
historicidade da Bíblia parece menos importante que aquilo que ela diz. Barth
fará isso ao ser indagado sobre se a serpente realmente falou no jardim do
Édem, dizendo que isso não tem a menor importância diante do que a serpente
disse. Bultmann fará o mesmo ao rejeitar os relatos evangélicos como sendo
produtos historicamente duvidosos por um lado, e aceitando-os, por outro lado,
por causa da sua compreensão existencial do “Eu”. Moltmann o utilizará ao
burlar-se da noção clássica de escatologia cumprindo-se na história, e ao mesmo
tempo falará sobre a igreja orientada para o futuro. Também John Robinson, ao
mesmo tempo em que rejeita a idéia de céu como sendo um “lugar lá em cima”,
fala de uma nova dimensão de vida como ser em profundidade, e de Deus como o
Fundamento do ser.
Não há duvida de que Immanuel Kant teve
grande influência sobre o pensamento teológico contemporâneo. Na verdade, desde
Kant que a história do pensamento e da teologia ocidental é a história de como
seus pressupostos religiosos, associados a muitas idéias cristãs, deram origem
a um mundo novo. Embora sua filosofia encarasse com valentia as questões
pleiteadas por Hume, ele enclausurou os seres humanos no mundo dos fenômenos,
não havendo modo da mente fenomenal conhecer o numeral. Entre tantas objeções
que se pode fazer a Kant, uma é a mais óbvia: Se o nosso entendimento acerca de
Deus não é ao menos alegórico, como pode o homem conhecer a Deus? A filosofia
de Kant transforma Deus em um ser incognoscível, e esse pressuposto será um
grande dilema para a teologia dialética de Karl Bath, bem como de outros
teólogos contemporâneos.
AS IDÉIAS QUE AJUDARAM A MODELAR O
PENSAMENTO TEOLÓGICO DO SÉCULO VINTE
Teologia é um vocábulo que encontra sua
origem na junção de duas palavras gregas: “Theos”, que significa Deus, e
“logos”, que significa discurso ou razão. Logo, a teologia é o estudo de Deus e
de sua relação com o universo. Ela é também o estudo das doutrinas religiosas e
das questões de divindade. Toda dissertação ou raciocínio sobre Deus, constitui
uma teologia.
O estudo de Deus é da máxima
importância. Como disse o reformador João Calvino: “Quase toda sabedoria que
possuímos, ou seja, a sabedoria verdadeira e sadia, consiste em duas partes: o
conhecimento de Deus e de nós mesmos”.
O homem é irremediavelmente um animal
religioso. Desde a antiguidade, Deus tem sido a principal preocupação do
escrutínio humano. Sócrates, Platão, Aristóteles e todos os pensadores gregos
importantes formularam teorias teológicas especulativas sobre Deus. A
existência de Deus para esses homens era algo totalmente racional e necessário.
Diferentemente da teodicéia Socrática,
Platônica ou Aristotélica, o cristianismo apresenta-se como religião revelada.
Há pouca necessidade de especulações e elucubrações metafísicas, pois ele já
parte do pressuposto de que Deus se revelou em sua Palavra, e na plenitude dos
tempos nos falou por meio do seu filho Jesus, que andou entre nós pregando e
fazendo milagres, sendo crucificado no tempo em que Pôncio Pilatos era
governador da Judéia. Os apóstolos, encarregados por ele de pregar a sua
mensagem ao mundo, escreveram sua biografia e eventos relacionados ao
cristianismo. Esses registros documentais começaram a surgir após um breve
hiato, não maior que trinta anos. É interessante notar que quando os primeiros
relatos começaram a circular, muitas das testemunhas oculares dos fatos por
eles narrados ainda estavam vivas. Ora, caso a narrativa apresentada por eles
fosse considerada fantasiosa ou mítica, não faltariam pessoas para
desmascará-los. No entanto, nos dias apostólicos não houve alguém que pudesse
por em dúvida a historicidade de Jesus. Nem mesmo o Talmude, em todo o seu zelo
judaico, nega que Jesus de Nazaré tenha feito milagres.
Ainda segundo a narrativa bíblica, esse
Jesus nasceu de uma virgem, exatamente como vaticinara o profeta Isaías cerca
de setecentos anos antes do seu nascimento. Ele era da descendência de Davi, e
ressuscitou ao terceiro dia, havendo aparecido aos seus apóstolos e a uma
multidão de mais de quinhentas pessoas (1Coríntios 15.6). Sua morte não foi um
evento fortuito, contingente – ela foi providencial. Através do seu sacrifício,
todos nós podemos chegar perto de Deus e, confessando as nossas iniqüidades,
receber o seu imerecido perdão.
Os dois últimos parágrafos são um
resumo do cristianismo bíblico e ortodoxo. Por ortodoxo, entende-se o bojo
essencial do cristianismo histórico. Essa visão ortodoxa das Escrituras foi
preservada ao longo dos anos, embora em alguns períodos da história não
faltassem grupos para elaborar uma teologia diferente, apresentando novos e
estranhos pressupostos sob os quais a Bíblia deveria ser interpretada.
As primeiras controvérsias surgiram
quando o cristianismo ainda era uma religião recente: Primeiro os judaizantes,
depois os docetistas, no século segundo foram os gnósticos, no século terceiro,
Ário, e nos séculos seguintes também não faltaram homens controversos cujo
exacerbado intento era comprometer a ortodoxia. O auge da controvérsia ocorreu
na idade média e no início da era moderna quando o romanismo, em seu afã de
arrecadar fundos para a construção da basílica de São Pedro, espoliou o povo
europeu sob promessa de livrar as pobres almas do purgatório, e isso sem falar
na comercialização de ícones, tais como espinhos da coroa de Cristo, pedaços da
cruz na qual ele morreu, crânios (isso mesmo, plural – crânios) de João
Batista, e tantas outras invencionices humanas que o “infalível” Papa e a
“Santa” Igreja Católica homologavam sem nenhuma inibição. Tal era o abandono da
Bíblia.
Caso a situação continuasse assim,
seria realmente o fim da ortodoxia. Porém, nesse mesmo tempo houveram homens
impulsionados pelo zelo ardoroso da verdade, que assumiram a tarefa de lutar
pela manutenção da ortodoxia. Foi então que surgiram nomes como Martinho
Lutero, João Calvino, Felipe Melanchton e Zuínglio, que não temendo a fúria de
Roma, expuseram os abusos do clero católico e iniciaram o movimento que hoje
conhecemos como a Reforma. Sua alcunha era Sola Fide, Sola Gratia, Sola
Scriptura e Soli Deo Gloria. Desde então o movimento protestante, oriundo da
Reforma religiosa, tem sido o principal preservador da ortodoxia.
Desde a época da Reforma, o mundo
passou por uma série de transformações, e porque não dizer, pelas maiores
transformações de toda a nossa história. Das caravela ao ônibus espacial, da
bússula ao GPS, o mundo sentiu o impacto da tecnologia e essa mudança teve
grande influência no pensamento ocidental. O Renascimento no século dezesseis,
o Racionalismo do século dezoito, o Romantismo do século dezenove e todas as
mudanças pela qual o mundo passou tiveram seu impacto sobre a teologia. O
Renascimento trouxe de volta a ortodoxia, o Racionalismo, por sua vez,
introduziu a crítica, a teologia liberal e o deísmo, e o Romantismo foi o
portão de acesso para o existencialismo cristão, ou neo-ortodoxia.
Todo pensador está de certo modo
envolvido com as idéias do seu tempo. Esse é um axioma antigo, porém válido. O
contexto sócio-cultural, os conceitos filosóficos, o progresso tecnológico, a
economia e os conflitos mundiais interferem indubitavelmente na maneira de
pensar, e desde a Reforma até os nossos dias, não faltaram mudanças. Isso
ocorreu de tal maneira e em tão grande quantidade que, se fossemos enumerá-las
uma a uma, milhares de páginas seriam escritas, e isso não é nenhuma hipérbole.
Embora não seja possível listar de
forma exaustiva os pensadores que exerceram influência no cenário teológico
contemporâneo, faz-se necessário mencionar ao menos três deles: Immanuel Kant,
Charles Darwin e Karl Marx.
O pensamento de Immanuel Kant é, sem
dúvida, o grande divisor de águas da filosofia moderna, de modo que seu nome
representa para a filosofia o mesmo que Copérnico representa para a ciência.
Sua formação é um pouco eclética, para não dizer estranha: começou seu estudo
dentro do pietismo, sendo depois influenciado pelo Iluminismo, em especial por
Jean-Jacques Rousseau e Christian Wolff. Um dos filósofos da sua época, G.E.
Lessing, propôs que “os eventos contingentes da história não podem servir de
base para o conhecimento do mundo transcendente, eterno”. Segundo essa
concepção, existe um abismo intransponível entre nós e Deus, e nós simplesmente
não podemos passar para o outro lado e conhecê-lo. Ele é Todo-Transcendente. É
nesse contexto que Kant aparece. A própria idéia de Deus como
“Todo-Transcenente” ocorre inúmeras vezes em sua obra, sendo um dos principais
postulados da sua filosofia. Essa idéia se transformaria no paradigma principal
da neo-ortodoxia.
O nome Charles Darwin é comumente
associado à teoria evolucionista. Embora já houvesse muitos modelos
evolucionistas antes dele e tenham surgido muitos outros depois, é quase
impossível ouvir seu nome sem associá-lo a teoria da evolução das espécies.
Em 1831 Darwin partiu para uma viagem
ao redor do mundo para fazer observações científicas, levando na viagem o livro
de Charles Lyell, Princípios de Geologia. Em 1839 ele começou a escrever a obra
que se tornaria o seu legado, concluindo-a em 1844. Não se sabe ao certo por
que, mas o fato é que Darwin levou 15 anos para imprimi-lo. É possível que a
razão da demora resida no temor da indignação que seu livro poderia lançar. Em
Origem das Espécies, Darwin faz a polêmica afirmação de que todos nós procedemos
de um ancestral comum e animalesco, não havendo essencialmente nada que confira
dignidade ao homem. O acaso nos gerou, portanto, não há Deus. Essa é a
conseqüência lógica da sua cosmovisão.
Filho de judeus, Karl Marx nasceu em
Trier, na Alemanha, em 1818. Foi, sem dúvida, um gênio intelectual, obtendo seu
doutorado em filosofia aos 23 anos. Ele foi muito influenciado pelas idéias de
Ludwig Feuerbach, o qual dizia que o homem não foi criado à imagem de Deus, mas
Deus foi criado à imagem do ser humano. Sua filosofia lançou as bases do
Socialismo. O pensamento de Marx é um pensamento voltado para o trabalho. Para
Marx, não é o conhecimento espiritual que transforma a existência e,
consequentemente, a vida social, mas exatamente o contrário: com a revolução, o
corpo social transforma também a sua subjetividade. Esse pensamento servirá de
base do movimento da “teologia da libertação”, na segunda metade do século
vinte.
Embora seja útil apontar todos os
ascendentes do pensamento teológico do século vinte, tal tarefa seria muito
pesarosa e fugiria ao escopo da nossa pesquisa. Certamente há muitas outras
vertentes que influenciaram o pensamento teológico no século passado e
contribuíram para o abandono da teologia ortodoxa no século vinte. Mas não foi
só o pensamento renascentista, iluminista ou evolucionista que exerceu
influência sobre a teologia do século passado: a intempérie do início do século
vinte também contribuiu para as diversas variações ocorridas na teologia
contemporânea. Só na sua primeira metade, houve duas guerras mundiais. Esse
processo de guerras consecutivas contribuiu de certo modo para uma perda de
identidade do homem do século vinte. Essa perda de identidade e falta de
objetividade resultante do pós-guerra foi a coluna principal do existencialismo.
Em um mundo desorganizado e desumanizado, a única certeza que o homem tem está
relacionada a sua própria existência. Desde então houve um grande
desenvolvimento da uma filosofia centrada no “Eu”, e nomes como Martin
Heidegger e Jean-Paul Sartre ganharam projeção mundial. Os pressupostos
existencialistas destes pensadores também tiveram grande influência no
pensamento teológico contemporâneo.
Esta obra não é fruto de toda uma vida
de esmero teológico e nem tampouco nenhum grande logro acadêmico. Ela é muito
simples e até limitada, oferecendo apenas uma pequena introdução à matéria de
teologia contemporânea. “TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA: Uma análise do desenvolvimento
do pensamento teológico no século vinte”, encontra sua justificativa na
necessidade de conhecermos as mudanças históricas que vêm acontecendo no
cenário teológico mundial. Ela certamente servirá de guia no estudo da Teologia
Contemporânea, podendo ser utilizada por professores nos seminários.
A perspectiva adotada é conservadora,
como entendemos ser também a teologia apostólica, porém, conservadorismo não é
sinônimo de ignorância ou apatia intelectual. Muitas pressuposições da teologia
contemporânea nos são úteis, principalmente no campo da critica textual, mas
não podemos jamais sacrificar as nossas crenças fundamentais no altar do
pós-modernismo.
A pós-modernidade não tem influenciado
apenas os teólogos em sua maneira de pensar, mas também os pastores e líderes
das nossas denominações. A Bíblia tem sido abandonada, e quando aparece, é
permutada. Que ao examinar as correntes teológicas que serão apresentadas
nessas páginas, ninguém assuma uma postura indiferente. Nosso desejo é que ao
ler o conteúdo programático dessa dissertação, o leitor, seja teólogo, pastor
ou leigo, possa assumir uma postura de apologeta e juntar-se a nós na luta pela
manutenção da ortodoxia bíblica, por aquela unidade fundamental que havia em
nossos irmãos primitivos.
FONTE NOTAS WWW.PRRONANDEMENDONÇA.BLOGSPOT.COM
Nenhum comentário:
Postar um comentário