UM
ARAUTO AOS PELES-VERMELHAS (1718-1747)
David Brainerd - Um Coração Quebrantado – Jonathan Edwards
Em algum tempo, no começo do inverno de 1738, agradou a Deus, em
um sábado pela manhã, quando eu partia para cumprir meus deveres secretos,
dar-me, de repente, um tal senso de meu perigo e da sua ira que fiquei
admirado, e logo desapareceram minhas confortáveis disposições anteriores.
Diante da visão que tive de meu pecado e vileza, fiquei muito aflito durante
todo aquele dia, temendo que a vingança de Deus em breve me alcançaria.
Senti-me muito abatido, mantendo-me solitário; cheguei a invejar a felicidade
das aves e dos quadrúpedes, pois não estavam sujeitos àquela miséria eterna,
como evidentemente eu via que estava sujeito. E assim ia vivendo dia a dia,
freqüentemente em grande aflição. As vezes parecia que montanhas obstruíam
minhas esperanças de misericórdia e a obra de conversão parecia tão grande que
pensei que nunca seria o objeto dela. No entanto, costumava orar, clamar a Deus
e realizar outros deveres com grande ardor; assim esperava, por alguns meios,
melhorar a minha situação.
Por centenas de vezes renunciei a todas as pretensões de
qualquer valor em meus deveres, ao mesmo tempo em que os realizava; e com
freqüência confessei a Deus que eu nada merecia pelos melhores deles, a não ser
a condenação eterna; ainda assim tinha uma esperança secreta de recomendar-me a
Deus mediante os meus deveres religiosos. Quando orava emotivamente e meu
coração, em alguma medida, parecia enternecer-se, esperava que, por causa
disso, Deus teria piedade de mim. Nessas ocasiões, havia alguma aparência de
bondade em minhas orações, e eu parecia estar lamentando pelo pecado. Em alguma
medida aventurava-me na misericórdia de Deus em Cristo, como eu pensava, ainda
que o pensamento preponderante, o alicerce de minha esperança, era alguma
imaginação de bondade em meu enternecimento de coração, no calor de meus afetos
e na extraordinária dilatação de minhas orações.
Havia momentos em que a porta me parecia tão estreita que eu via
como impossível entrar; mas noutras ocasiões lisonjeava-me, dizendo que não era
assim tão difícil, e esperava que, por meio da diligência e da vigilância,
acabaria conseguindo. Algumas vezes, depois de muito tempo em devoções e em
forte emoção, achava que tinha dado um bom passo na direção do céu e imaginava
que Deus fora afetado assim como eu, e ouviria tais sinceros clamores, como eu
os chamava. E assim, por várias vezes, quando me retirava para oração secreta,
em grande aflição, eu voltava confortado; e desta forma procurava curar a mim
mesmo com meus deveres.
Certa ocasião, em fevereiro de 1739, separei um dia para jejum e
oração secretos, e passei aquele dia em clamores quase incessantes a Deus,
pedindo misericórdia, para que Ele me abrisse os olhos para a malignidade do
pecado e para o caminho da vida, por meio de Jesus Cristo. Naquele dia, Deus
agradou-se em fazer para mim notáveis descobertas em meu coração. No entanto,
continuei confiando na prática dos meus deveres, embora não tivessem nenhuma
virtude em si, não havendo neles qualquer relação com a glória de Deus, nem tal
princípio em meu coração. Contudo, aprouve a Deus, naquele dia, fazer de meus
esforços um meio para mostrar-me, em alguma medida, minha debilidade.
Algumas vezes eu era grandemente encorajado e imaginava que Deus
me amava e se agradava de mim, e pensava que em breve estaria completamente
reconciliado com Deus. Mas tudo isto estava fundamentado em mera presunção,
surgindo da ampliação nos meus deveres, ou do calor das afeições, ou de alguma
boa resolução, ou coisas similares. E quando, às vezes, grande aflição começava
a surgir baseada na visão da minha vileza e incapacidade de livrar a mim mesmo
de um Deus soberano, então costumava adiar a descoberta como algo que não podia
suportar. Lembro-me que, certa vez, fui tomado por uma terrível dor de aflição
de alma; a idéia de renunciar a mim mesmo, permanecendo nu diante de Deus,
despido de toda bondade, foi tão temível para mim que estive pronto a dizer,
como Félix disse a Paulo: "Por agora podes retirar-te" (Atos 24.25).
Assim, embora diariamente anelasse por uma maior convicção de
pecado, supondo que tinha de perceber mais do meu temível estado para que
pudesse remediá-lo, quando as descobertas do meu ímpio coração foram feitas, a
visão era tão aterradora, e mostrava-me tão cristalinamente minha exposição à
condenação, que não podia suportá-la. Eu constantemente esforçava-me por obter
quaisquer qualificações que imaginava que outros obtiveram antes de receberem a
Cristo, a fim de recomendar-me ao seu favor. De outras vezes, sentia o poder de
um coração empedernido e supunha que o mesmo tinha de ser amolecido antes que
Cristo me aceitasse; e quando sentia quaisquer enternecimentos de coração,
então esperava que daquela vez a obra estivesse quase feita. E, portanto,
quando a minha aflição permanecia, eu costumava murmurar contra a maneira como
Deus lidava comigo, e pensava que quando outros sentiam seus corações
favoravelmente amolecidos, Deus mostrava-lhes sua misericórdia para com eles; mas
a minha aflição ainda permanecia.
Às vezes ficava desleixado e preguiçoso, sem quaisquer grandes
convicções de pecado, e isso por considerável período de tempo; mas depois de
tal período, algumas vezes as convicções me assediavam mais violentamente. Lembro-me
de certa noite em particular, quando caminhava solitariamente, que delineou-se
diante de mim uma tal visão de meu pecado, que temi que o solo se abrisse
debaixo de meus pés e se tornasse a minha sepultura, mandando minha alma
rapidamente ao inferno, antes que eu pudesse chegar em casa. Forçado a
recolher-me ao leito para que outras pessoas não viessem a descobrir minha
aflição de alma, o que eu muito temia, não ousei dormir, pois pensava que seria
uma grande maravilha se eu não amanhecesse no inferno. Embora minha aflição às
vezes fosse tão grande, todavia eu temia muito a perda de convicções, e de
retroceder a um estado de segurança carnal e à minha anterior insensibilidade
da ira iminente. Isto fazia-me extramente rigoroso em meu comportamento, temendo
entravar a atuação do Santo Espírito de Deus.
Quando, a qualquer momento, eu examinava minhas próprias
convicções, julgando-as consideravelmente fortes, acostumei-me a confiar nelas.
Mas essa confiança, bem como a esperança de em breve fazer alguns avanços
notáveis na direção do meu livramento, tranquilizava minha mente e logo
tornava-me insensível e remisso. Mas de novo, quando notava que as minhas
convicções estavam fenecendo, julgando que estavam prestes a abandonar-me,
imediatamente me alarmava e afligia. Algumas vezes esperava dar uma larga
passada, avançando muito na direção da conversão, por meio de alguma
oportunidade ou meio particular que tinha em vista.
Os muitos desapontamentos, as grandes aflições e perplexidades
que experimentei deixavam-me em uma horrenda disposição de conflito com o
Todo-Poderoso; e com veemência e hostilidade interiores achava falhas em suas
maneiras de tratar com a humanidade. Meu coração iníquo por muitas vezes
desejava algum outro caminho de salvação que não fosse por Jesus Cristo. Tal
como um mar tempestuoso, com meus pensamentos confusos, eu costumava planejar
maneiras de escapar da ira de Deus por alguns outros meios. Eu traçava projetos
estranhos, repletos de ateísmo, planejando desapontar os desígnios e decretos divinos
a meu respeito ou de escapar de sua atenção e ocultar-me dEle.
Mas ao refletir vi que estes projetos eram vãos e não me
serviriam, e que eu nada poderia criar para meu próprio alívio; isso jogava
minha mente na mais horrenda atitude, desejando que Deus não existisse, ou
desejando que houvesse algum outro deus que pudesse controlá-Lo. Tais
pensamentos e desejos eram as inclinações secretas do meu coração, por muitas
vezes atuando antes que pudesse dar-me conta delas. Infelizmente, porém, elas
eram minhas, embora ficasse aterrorizado quando meditava a respeito delas. E
quando refletia, afligia-me pensar que meu coração estivesse tão cheio de
inimizade contra Deus; e estremecia, temendo que sua vingança subitamente
caísse sobre mim.
Antes costumava imaginar que meu coração não era tão mau quanto
as Escrituras e alguns outros livros o descreviam. Algumas vezes, esforçava-me
dolorosamente para moldar uma boa disposição, uma disposição humilde e
submissa; e esperava houvesse alguma bondade em mim. Mas, de súbito, a idéia da
rigidez da lei ou da soberania de Deus irritava tanto a corrupção do meu
coração, o qual eu tanto vigiara e esperava ter trazido à uma boa disposição,
que tal corrupção rompia todas as algemas, e explodia por todos os lados, como
dilúvios de águas quando desmoronam uma represa.
Sensível à necessidade de profunda humilhação a fim de ter uma
aproximação salvadora, empenhava-me por produzir em meu próprio coração as
convicções exigidas por tal humilhação, como, por exemplo, a convicção de que
Deus seria justo se me rejeitasse para sempre, e que se Ele concedesse
misericórdia a mim, seria pura graça, embora primeiro eu tivesse de estar
aflito por muitos anos e muito atarefado em meu dever, e que Deus de modo algum
estava obrigado a ter piedade de mim, por todas as minhas obras, clamores e
lágrimas passadas.
Eu me esforçava ao máximo para trazer-me a uma firme crença
nessas coisas e a um assentimento delas de todo o coração. E esperava que agora
eu estaria livre de mim mesmo, verdadeiramente humilhado, e prostrado diante da
soberania divina. Estava inclinado a dizer a Deus, em minhas orações, que agora
tinha exatamente essas disposições de alma que Ele requeria, com base nas quais
Ele mostrara misericórdia para com outros, e alicerçado nisto implorar e
pleitear misericórdia para mim. Porém, quando não achava alívio e continuava
oprimido pelo pecado e pelos temores da ira, minha alma entrava em tumulto, e
meu coração rebelava-se contra Deus, como se Ele estivesse me tratando duramente.
Mas então minha consciência insurgia-se, fazendo-me lembrar de
minha última confissão a Deus de que Ele era justo ao me condenar. E isso,
dando-me uma boa visão da maldade de meu coração, jogava-me novamente em
aflição; desejava ter vigiado mais de perto meu coração, impedindo-o de
rebelar-se contra a maneira como Deus estava me tratando. E até mesmo chegava a
desejar não ter pedido misericórdia com base em minha humilhação, porque, desse
modo, perdera toda a minha aparente bondade. Assim, por muitas vezes
inutilmente imaginava que estava humilhado e preparado para a misericórdia
salvadora
Certo jovem, franzino de corpo, mas tendo na alma o fogo do amor aceso
por Deus, encontrou-se na floresta, para ele desconhecida. Era tarde e o sol já
declinava até quase desaparecer no horizonte, quando o viajante, enfadado da
longa viagem, avistou a fumaça das fogueiras dos índios
"peles-vermelhas". Depois de apear e amarrar seu cavalo, deitou-se no
chão para passar a noite, agonizando em oração.
Sem ele o saber, alguns dos silvícolas o haviam seguido silenciosamente,
como serpentes, durante a tarde. Agora estacionavam atrás dos troncos das
árvores para contemplar a cena misteriosa de um vulto de cara pálida, sozinho,
prostrado no chão, clamando a Deus.
Os guerreiros da vila resolveram matá-lo, sem demora, pois, diziam, os
brancos davam uma aguardente aos peles-vermelhas, para, enquanto bêbados,
levar-lhes as cestas e as peles de animais, e roubar-lhes as terras. Mas depois
de cercarem furtivamente o missionário, que orava,prostrado, e ouvirem como
clamava ao "Grande Espírito", insistindo que lhes salvasse a alma,
eles partiram tão secretamente como chegaram.
No dia seguinte, o moço, não sabendo o que acontecera em redor, enquanto
orava no ermo, foi recebido na vila de uma maneira não esperada. No espaço
aberto entre as "wigwams" (barracas de peles) os índios o cercaram e
o moço, com o amor de Deus ardendo na alma, leu o capítulo 53 de Isaías.
Enquanto pregava, Deus respondeu a sua oração da noite anterior e os silvícolas
ouviram o sermão, com lágrimas nos olhos.
Esse cara-pálida chamava-se Davi Brainerd. Nasceu em 20 de abril de
1718. Seu pai faleceu quando Davi tinha 9 anos de idade, e sua mãe, filha dum
pregador, faleceu quando ele tinha 14 anos.
Acerca de sua luta com Deus, no tempo da sua conversão, na idade de
vinte anos, ele escreveu.
"Designei um dia para jejuar e orar, e passei esse dia clamando
quase incessantemente a Deus, pedindo misericórdia e que ele abrisse meus olhos
para a enormidade do pecado e o caminho para a vida em Jesus Cristo... Contudo,
continuei a confiar nas boas obras... Então, uma noite andando na roça, foi me
dada uma visão da grandeza do meu pecado, parecendo-me que a terra se abrira
por baixo dos meus pès para me sepultar e que a minha alma iria ao Inferno
antes de eu chegar em casa... Certo dia, estando longe do colégio, no campo,
sozinho em oração, senti tanto gozo e doçura em Deus, que, se eu devesse ficar
neste mundo vil, queria permanecer contemplando a glória de Deus. Senti na alma
um profundo amor ardente para com todos os homens e anelava que eles
desfrutassem desse mesmo amor de Deus.
"No mês de agosto, depois, senti-me tão fraco e doente, como
resultado de aplicar-me demais aos estudos, que o diretor do colégio me
aconselhou a voltar para casa. Estava tão fraco que tive algumas hemorragias.
Senti-me perto da morte, mas Deus renovou em mim o conhecimento e o gosto das
coisas divinas. Anelava tanto a presença de Deus e ficar livre do pecado, que,
ao melhorar, preferia morrer a voltar ao colégio, e me afastar de Deus...Oh!
uma hora com Deus excede infinitamente todos os prazeres do mundo."
De fato, depois de voltar ao colégio, Brainerd esfriou em espírito, mas
oGrande Avivamento, dessa época, alcançou a cidade de New Haven, o
colégio de Yale e o coração de Davi Brainerd. Ele tinha o costume de escrever
diariamente uma relação dos acontecimentos mais importantes da sua vida,
passados durante o dia. É por esses diários escritos para si próprio e não para
o mundo ler, que sabemos da sua vida íntima de profunda comunhão com Deus. Os
seguintes poucos trechos servem como amostras do que ele escreveu em muitas
páginas de seu diário e descobrem algo de sua luta com Deus, enquanto estudava
para o ministério:
"Fui tomado repentinamente pelo horror da minha miséria. Então
clamei a Deus, pedindo que me purificasse da minha extrema imundícia. Depois a
oração se tornou mui preciosa para mim. Ofereci-me alegremente para passar os
maiores sofrimentos pela causa de Cristo, mesmo que fosse para ser desterrado
entre os pagãos, desde que pudesse ganhar suas almas. Então Deus me deu o
espírito de lutar em oração pelo reino de Cristo no mundo.
"Retirei-me cedo, de manhã, para a floresta, e foi-me concedido
fervor em rogar pelo avanço do reino de Cristo no mundo. Ao meio-dia, ainda
combatia em oração a Deus, e sentia o poder do divino amor na intercessão.
"Passei o dia em jejum e oração, implorando que Deus me preparasse
para o ministério, e me concedesse auxílio divino e direção, e que ele me
enviasse para a seara no dia que ele designasse. Pela manhã, senti poder na
intercessão pelas almas imortais e pelo progresso do reino do querido Senhor e
Salvador no mundo... À tarde, Deus estava comigo de verdade. Quão bendita a sua
companhia! Ele me concedeu agonizar em oração até ficar com a roupa encharcada
de suor, apesar de eu me achar na sombra, e de soprar um vento fresco. Sentia a
minha alma grandemente extenuada pela condição do mundo: esforçava-me para
arrebatar multidões de almas. Sentia-me mais dilatado pelos pecadores do que
pelos filhos de Deus, contudo anelava gastar a minha vida clamando por ambos."Passei
duas horas agonizando pelas almas imortais. Apesar de ser ainda muito cedo, meu
corpo estava molhado de suor... Se eu tivesse mil vidas, a minha alma as teria
dado pelo gozo de estar com Cristo...
"Dediquei o dia para jejuar e orar, implorando a Deus que me
dirigisse e me abençoasse na grande obra que tenho perante mim, a de pregar o
Evangelho. Ao anoitecer, o Senhor me visitou maravilhosamente na oração; senti
a minha alma angustiada como nunca... Senti tanta agonia que me achava ensopado
de suor. Oh! e Jesus suou sangue pelas pobres almas! Eu anelava mostrar mais e
mais compaixão para com elas.
"Cheguei a saber que as autoridades esperam a oportunidade de me
prender e encarcerar por ter pregado em New Haven. Fiquei mais sóbrio e
abandonei toda a esperança de travar amizade com o mundo. Retirei-me para um
lugar oculto na floresta e coloquei o caso perante Deus."
Completados os seus estudos para o ministério, ele escreveu:
"Preguei o sermão de despedida ontem, à noite. Hoje, pela manhã
orei em quase todos os lugares por onde andei, e, depois de me despedir dos
amigos, iniciei a viagem para o habitat dos índios."
Essas notas do diário revelam, em parte, a sua luta com Deus enquanto
estudava para o ministério. Um dos maiores pregadores atuais, referindo-se a
esse diário, declarou: "Foi Brainerd quem me ensinou a jejuar e orar.
Cheguei a saber que se fazem maiores coisas por meio de contato cotidiano com
Deus do que por pregações."
No início da história da vida de Brainerd, já relatamos como Deus lhe
concedeu entrada entre os silvícolas violentos, em resposta a uma noite de
oração, prostrado em terra, nas profundezas da floresta. Mas, apesar de os
índios lhe darem a toda hospitalidade, concedendo-lhe um lugar para dormir
sobre um pouco de palha e, ouvirem o sermão, comovidos, Brainerd não estava
satisfeito e continuava a lutar em oração, como revela seu diário:
"Continuo a sentir-me angustiado. À tarde preguei ao
povo, mas fiquei mais desanimado acerca do trabalho do que antes; receio que seja impossível alcançar as almas. Retirei-me e
derramei a minha alma pedindo misericórdia, mas sem sentir alívio.
"Completo vinte e cinco anos de idade hoje. Dói-me a alma ao pensar
que vivi tão pouco para a glória de Deus. Passei o dia na floresta sozinho,
derramando a minha queixa perante o Senhor.
"Cerca das nove horas, saí para orar na mata. Depois do meio-dia,
percebi que os índios estavam se preparando para uma festa e uma dança... Em
oração, senti o poder de Deus e a minha alma extenuada como nunca antes na
minha vida. Senti tanta agonia e insisti com tanta veemência que, ao
levantar-me, só consegui andar com dificuldade. O suor corria-me pelo rosto e
pelo corpo. Reconheci que os pobres índios se reuniam para adorar demônios e
não a Deus; esse foi o motivo de eu clamar a Deus, que se apressasse em
frustrar a reunião idólatra. Assim, passei a tarde orando incessantemente,
pedindo o auxílio divino para que eu não confiasse em mim mesmo. O que
experimentei, enquanto orava, foi maravilhoso. Parecia-me que não havia
nada de importância em mim, a não ser santidade de coração e vida, e o anelo
pela conversão dos pagãos a Deus. Desapareceram todos
os cuidados, receios e anelos; todos juntos pareciam-me de menor importância
que o sopro do vento. Anelava que Deus adquirisse para si um nome entre os
pagãos e lhe fiz o meu apelo com a maior ousadia, insistindo em que ele
reconhecesse que eu 'o preferia à minha maior alegria.' De fato, não me
importava onde ou como morava, nem da fadiga que tinha de suportar, se pudesse ganhar
almas para Cristo. Continuei assim toda a tarde e toda a noite."
Assim revestido, Brainerd, pela manhã, voltou da mata para enfrentar os
índios, certo de que Deus estava com ele, como estivera com Elias no monte
Carmelo. Ao insistir com os índios para que abandonassem a dança, eles, em vez
de matá-lo, desistiram da orgia e ouviram a sua pregação, de manhã e à tarde.
Depois de sofrer como poucos sofrem, depois de se esforçar de noite e de
dia, depois de passar horas inumeráveis em jejum e oração, depois de pregar a
Palavra "a tempo e fora de tempo", por fim,
abriram-se os céus e caiu o fogo. Os seguintes excertos do seu diário descrevem
algumas dessas experiências gloriosas:
"Passei a maior parte do dia em oração, pedindo que o Espírito
fosse derramado sobre o meu povo... Orei e louvei com grande ousadia, sentindo
grande peso pela salvação das preciosas almas.
"Discursei à multidão extemporaneamente sobre Isaías 53.10:
Todavia, o Senhor agradou moê-lo'. Muitos dos ouvintes entre a multidão de três
a quatro mil, ficaram comovidos a ponto de haver um 'grande pranto, como o
pranto de Hadadrimom'. [Ver Zacarias 12.11)
"Enquanto eu andava a cavalo, antes de chegar ao lugar para pregar,
senti o meu espírito restaurado e a minha alma revestida com o poder para
clamar a Deus, quase sem cessar, por muitos quilômetros a fio.
"De manhã, discursei aos índios onde nos hospedamos. Muitos ficaram
comovidos e, ao falar-lhes acerca da salvação da sua alma, as lágrimas correram
abundantemente e eles começaram a soluçar e a gemer. À tarde, voltei ao lugar
onde lhes costumava pregar; eles ouviram com a maior atenção quase até o fim.
Nem a décima parte dos ouvintes pôde conter-se de derramar lágrimas e clamar
amargamente. Quanto mais eu falava do amor e compaixão de Deus, ao enviar seu
Filho para sofrer pelos pecados dos homens, tanto mais aumentava a angústia dos
ouvintes. Foi para mim uma surpresa notar como seus corações pareciam
traspassados pelo terno e comovente convite do Evangelho, antes de eu proferir
uma única palavra de terror.
"Preguei aos índios sobre Isaías 53.3-10. Muito poder acompanhava a
Palavra e houve grande convicção entre os ouvintes; contudo, não tão geral como
no dia anterior. Mas a maioria ficou comovida e em grande angústia de alma;
alguns não podiam caminhar, nem ficar em pé: caíam no chão como se tivessem o coração
traspassado e clamavam sem cessar, pedindo, misericórdia... Os que vieram de
lugares distantes foram levados logo à convicção, pelo Espírito de Deus.
"À tarde, preguei sobre Lucas 15.16-23. Havia muita convicção
visível entre os ouvintes, enquanto eu discursava; mas, ao falar
particularmente, depois, a alguns que se mostravam comovidos, o poder de Deus
desceu sobre o auditório 'como um vento veemente e impetuoso e varreu tudo de
uma maneira espetacular.
"Fiquei em pé, admirado da influência que se apoderou do auditório
quase totalmente. Parecia, mais que qualquer outra coisa, a força irresistível
de uma grande correnteza, ou dilúvio crescente, que derrubava e varria tudo que
encontrava na sua frente.
"Quase todos oravam e clamavam, pedindo misericórdia, e muitos não
podiam ficar em pé. A convicção que cada um sentiu foi tão grande, que pareciam
ignorar por completo os outros em redor, mas cada um continuava a orar por si
mesmo.
"Lembrei-me de Zacarias 12.10-12, porque havia grande pranto como o
pranto de 'Hadadrimom', parecendo que cada um pranteava à parte.
"Parecia-me um dia muito semelhante ao dia em que Deus mostrou seu
poder a Josué (Josué 10.14), porque era um dia diferente de qualquer dia que
tinha presenciado antes, um dia em que Deus fez muito para destruir o reino das
trevas entre esse povo".
É difícil reconhecer a magnitude da obra de Davi Brainerd entre as
diversas tribos de índios, nas profundezas das florestas; ele não entendia os
seus idiomas. Se lhes transmitia a mensagem de Deus ao coração, deveria achar
alguém que pudesse servir como intérprete. Passava dias inteiros simplesmente
orando para que viesse sobre ele o poder do Espírito Santo com tanto poder, que
esse povo não pudesse resistir à mensagem. Certa vez teve que pregar por meio
de um intérprete tão bêbado, que quase não podia ficar em pé, contudo, vintenas
de almas foram convertidas por esse sermão.
Ele andava, às vezes, perdido de noite no ermo, apanhando chuva e
atravessando montanhas e pântanos. Franzino de corpo, cansava-se nas viagens.
Tinha que suportar o calor do verão e o intenso frio do inverno. Dias a fio
passava-os com fome. Já começava a sentir a saúde abalada e estava a ponto de
casar-se (sua noiva era Jerusa Edwards, filha de Jônatas Edwards) e estabelecer
um lar entre os índios convertidos ou voltar e aceitar o pastorado de uma
igreja que o convidava. Contudo, reconhecia que não podia viver, por causa da
sua doença, mais que um ou dois anos e resolveu então ''arder até o fim".
Assim, depois de ganhar a vitória em oração, clamou: "Eis-me aqui,
Senhor, envia-me a mim até os confins da terra; envia-me aos selvagens do ermo;
envia-me para longe de tudo que se chama conforto da terra; envia-me mesmo para
a morte, se for no teu serviço e para promover o teu reino..."
Então acrescentou: "Adeus amigos e confortos terrestres, mesmo os
mais anelados de todos. Se o Senhor quiser, gastarei a minha vida, até os
últimos momentos, em cavernas e covas da terra, se isso servir para o progresso
do Reino de Cristo."
Foi nessa ocasião que escreveu: "Continuei lutando com Deus em
oração pelo rebanho aqui e, especialmente, pelos índios em outros lugares, até
a hora de deitar-me. Oh! como senti ser obrigado a gastar o tempo dormindo!
Anelava ser uma chama de fogo, constantemente ardendo no serviço divino e
edificando o reino de Deus, até o último momento, o momento de morrer."
Por fim, depois de cinco anos de viagens árduas no ermo, de aflições
inumeráveis e de sofrer dores incessantes no corpo, Davi Brainerd, tuberculoso
e com as forças físicas quase inteiramente esgotadas, conseguiu chegar à casa
de Jônatas Edwards.
O peregrino já completara a sua carreira terrestre e esperava o carro de
Deus para levá-lo à Glória. Quando, no seu leito de sofrimento, viu alguém
entrar no quarto com a Bíblia, exclamou: "Oh! o querido Livro! Breve hei
de vê-lo aberto. Os seus mistérios me serão então desvendados!"
Minguando sua força física e aumentando sua percepção espiritual, falava
com mais e mais dificuldade: "Fui feito para a eternidade. Como anelo
estar com Deus e prostrar-me perante Ele! Oh! que o Redentor pudesse ver o
fruto do trabalho da sua alma e ficar satisfeito! Oh! vem,Senhor Jesus! Vem
depressa! Amém!" - e dormiu no Senhor.
Depois desse acontecimento, a noiva de Brainerd, Jerusa Edwards, começou
a murchar como uma flor e, quatro meses depois também foi morar na cidade
celeste. Dum lado do seu túmulo, está o de Davi Brainerd e do outro lado está o
túmulo de seu pai, Jônatas Edwards.
O desejo veemente da vida de Davi Brainerd era o de arder como uma
chama, por Deus, até o último momento, como ele mesmo dizia: "Anelo ser
uma chama de fogo, constantemente ardendo no serviço divino, até o último
momento, o momento de falecer."
Brainerd findou a sua carreira terrestre aos vinte e nove anos. Contudo
apesar de sua grande fraqueza física, fez mais que a maioria dos homens faz em
setenta anos.
Sua biografia, escrita por Jônatas Edwards e revisada por João Wesley,
teve mais influência sobre a vida de A. J. Gordon do que qualquer outro livro,
exceto a Bíblia. Guilherme Carey leu a história da sua obra e consagrou a sua
vida ao serviço de Cristo, e nas trevas da Índia! Roberto McCheyne leu o seu
diário e gastou a sua vida entre os judeus. Henrique Martyn leu a sua biografia
e se entregou para consumir-se dentro de um período de seis anos e meio no
serviço de seu Mestre, na Pérsia.
O que Davi escreveu a seu irmão, Israel Brainerd, é para nós um desafio
à obra missionária: "Digo, agora, morrendo, não teria gasto a minha vida
de outra forma, nem por tudo que há no mundo."
Notas heróis da fé Orlando boyer
Nenhum comentário:
Postar um comentário